Projetos de vida e cultura na educação

Neste artigo, em uma primeira abordagem, se delineia três elementos que formam o conceito de projeto de vida na educação: valores, desenvolvimento de competências e aprendizagem por projetos. O fundamento principal desta proposta educacional é planificar uma trilha para os alunos no que se refere a buscas subjetivas desdobrada em descobertas, valores, escolhas, perdas e desafios. Em uma segunda abordagem este texto traz as possibilidades de praticas culturais para contribuir na expressão das subjetividades de todos envolvidos no processo escolar, a fim de se estabelecer relações intersubjetivas por meio da variedade de linguagens midiáticas e artísticas. Um terceiro ponto abordado também neste artigo é a visão de cultura como sistema ideológico de uma sociedade onde se desenvolve a linguagem como código ideológico, na acepção  de Bakhtin, fato que irá influenciar a didática de projetos de vida, no que diz respeito aos valores individuais e coletivos.

Introdução  

No pressuposto do conceito de “projetos de vida” está a ideia de roteiro de autoaprendizagem. Este roteiro se desenvolve em múltiplas dimensões e está em contínua construção e revisão (MORAN, 2017). Neste sentido está em constante modificação e adaptação.  A autoaprendizagem supõe reflexão sobre perceber-se, avaliar-se e transformar-se, o trabalho educacional neste sentido precisa estar inserido em uma perspectiva ampla, livres de nichos ideológicos restritivos, preconceituosos e limitadores. Na tríade formadora desta proposta – valores, desenvolvimento de competências e aprendizagem por projetos – se forma o seguinte contexto:

Valores: valorização pessoal, integração social, compreensão das diferenças e promoção da autonomia. É importante lembrar que a formação de valores pessoais depende de um sistema ideológico social, onde se inclui: religião, política, história, ciência etc…

Desenvolvimento de competências: Visão científica e filosófica aberta e atualizada, no sentido de um saber filosófico inclusivo e representativo.

Aprendizagem por projetos: Trabalhos coletivos em torno de uma temática onde cada estudante, dentro de sua contribuição pessoal, encontra um significado mais perceptível e profundo do processo de aprendizagem.

Este contexto não se limita somente ao corpo discente e sim aos docentes e familiares em um jogo comunitário integrado que se forma por meio de palestras, cursos de curta duração e oficinas para professores.

Quando a proposta de “projetos de vida” é voltada mais especificamente para os alunos ela se desdobra nos seguintes módulos: autoconhecimento, criatividade, resolução de problemas, comunicação, empreendedorismo, gestão de tempo e orientação de estudo.

Projetos de vida e pilares da UNESCO 

 Os quatro pilares da educação são: Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.

A intersecção entre o conceito de projetos de vida e os pilares da UNESCO considerados por Jaques Delors (1996) está na interação com os familiares e comunidade dos alunos a fim de irradiar os conhecimentos acessados, reelaborados e desenvolvidos na escola na tentativa de gerar apoio e dissipar resistências. Neste sentido esta proposta educacional está voltada para uma ação ampla e cultural. Podemos ver como o projeto de vida converge com os quatro pilares da educação do século XXI.

Aprender a conhecer: Visa garantir uma cultura humanística e ética como fundamento dos novos conhecimentos científicos, econômicos e sociais. Esta cultura se configura no processo de vida e no desenvolvimento de potencialidades para uma educação permanente.

Aprender a fazer: Criar competências para lidar com o novo, com o diferente, com a transformação e com a mudança.

Aprendendo a ser: Aprender a viver de forma comunitária e sociocultural que exige o exercício da solidariedade, da colaboração, e do lidar com a diferença.

Aprendendo a conviver: Conhecimento de si próprio, da sua cultura e da sua identidade,  conhecimento do outro, de sua cultura e de sua identidade ( alteridade). Este mútuo conhecimento deve caminhar para a construção de projetos comuns e gestão de inevitáveis conflitos ou debates.

 Noção de situação social de desenvolvimento (SSD) e zona proximal 

Esta noção possibilita a compreensão e a formação do projeto de vida a partir de posições sociais do individuo e da configuração de sua experiencia pessoal que se traduz pelas possibilidades ou recursos disponíveis sistema de necessidades, objetivos, aspirações, orientação (atitudes) e valores de vida.

A situação social de desenvolvimento está de acordo com o conceito de “zona proximal” de Vygotsky que se configura na distancia entre o que já se sabe e o que se pode saber com alguma assistência. No conceito de projeto de vida se estabelece também esta relação entre o presente e o futuro, pois é uma proposta que desenvolve o potencial da criança que está inserido em suas expectativas. 

Podemos ver uma ligação entre as noções de Vygotsky e o conceito de projetos de vida na noção de desenvolvimento cognitivo e psíquico do ser humano que se da por meio das relações sociais. O ser humano descobre suas potencialidades a partir da interação social e o processo coletivo que se origina das relações sociais, contribui para o desenvolvimento psicossocial do individuo. 

No conceito de zona proximal é dada uma dimensão futura no estabelecimento de um nível de desenvolvimento futuro por meio da interação social, ou seja, aquilo que a criança só pode fazer com a ajuda de alguém no presente, no futuro, esta criança poderá fazer sozinha.

Na acepção de Vygotsky a ação educativa se da na interação social e o professor deixa de ser encarado como única fonte de saber na sala de aula. Ele se torna o mediador na formação de projetos coletivos com alunos de diferentes níveis de conhecimento.

Na proposta de projetos de vida reaparece esta dimensão do futuro quando para alguns autores a função principal da personalidade são as expectativas futuras configuradas como autorealizações. (K. Obujowsky, 1976, A Maslow 1989 C Rogers 1982 DÁngelo O. 1999).

Nos dois conceitos: “zona proximal” e “Projetos de vida” estão presentes a dimensão social do ser humano de forma natural, neste sentido o papel do professor será, dentro desta perspectiva educacional, de monitorar e mediar, todo desenvolvimento intersubjetivos dos alunos, diante do oferecimento de atividades coletivas.

Projetos de vida e cultura

O conceito de projetos de vida entra em concordância com acepções sócio interacionistas quando reavalia os processos culturais na construção do sujeito.  Para acepções de Vygotsky (1978) e Wallon (1971) o desenvolvimento da criança, sua construção como sujeito, ocorre em determinados ambientes físicos-sociais historicamente elaborados.

Seguindo este foco de construção de ambientes físico-sociais podemos considerar que uma proposta de ensino precisa se instrumentalizar de projetos culturais com intuito de desenvolver projetos de vida que tenham cada vez mais significados subjetivos e intersubjetivos. 

O conceito de cultura é bastante amplo e circunscreve-se nas noções de moral, arte, religião política ciência e outras ações humanas. Estas ações vão formar nosso sistema ideológico fundamentado pela linguagem. Segundo Bakhtin a compreensão tem estreita relação com sistemas ideológicos culturais (1981). Seguindo esta acepção, a linguagem tem uma amplitude que vai além da linguagem verbal e os processos de comunicação e conhecimento que se firmam nos espaços físico-sociais dependem também de gestos, sons, imagens e outras expressões.

A partir desta realidade, as linguagens artísticas consubstanciadas nas artes plásticas, música, cinema e teatro, vão contribuir para a proposta de projetos de vida. A coletividade e o potencial comunicativo- expressivo inserido em toda atividade artística contribui para construção subjetiva de cada aluno na descoberta de suas potencialidades funcionais.

Conclusão

Este artigo procurou desdobrar as noções básicas do conceito educacional de projetos de vida em comparação com noções do sóciointeracionismo e com o papel das linguagens artísticas. O eixo principal que vimos despontar nestas acepções é a importância da coletividade no processo de ensino/aprendizagem em detrimento de propostas individuais de ensino. Portanto, o individualismo é substituído pela noção de personalidade que se forma na busca e construção de um projeto de vida. A personalidade é a subjetividade ou singularidade que os professores precisam trabalhar, no oferecimento de propostas coletivas em que os alunos, na sua maneira singular de atuar, se descubram em relação a suas potencialidades. 

Podemos inferir que esta noção plasmada na coletividade surgiu com os novos aportes conclamados pela UNESCO, para a educação do século XXI.  Apelo nascido de urgências educacionais frente a mundo cada vez mais individualista e tecnocrata. Outra dimensão deste apelo de mudança reside no temor de que evoluções científicas e tecnológicas se realizem sem o fundamento ético necessário para o desenvolvimento social, tornando as descobertas científicas parcialmente ou quase totalmente inócuas, frente ao fato de atingirem a maioria da população mundial e privilegiando uma minoria.

Por este motivo é cada vez mais urgente, projetos educacionais fundamentados na coletividade em que o particularismo é substituído pela singularidade, pois a singularidade é uma qualidade humana que traz na sua definição a consciência de pertencimento histórico, no sentido que quando somos singulares estamos presentes no mundo e temos direito e deveres. Esta presença nos transforma de seres viventes a seres pensantes e atuantes. O ser que apenas vive ou até somente sobrevive está relacionado com o particularismo, seja este, o particularismo da precariedade ou miséria ou até total alienação. Por este emotivo a educação deve propor situações que cobram a criatividade que vai ao sentido da construção subjetiva. 

A educação é mais autentica quanto mais desenvolve o ímpeto ontológico de criar. Deve se desinibidora e não restritiva deve dar oportunidade para os educandos serem eles mesmos. A negação desta educação é domesticação. (FREIRE, 1979 p. 32).

BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN,M.M. (1981). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec

FREIRE P. Educação e mudança. Rio de janeiro. Paz e Terra, 1979.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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