A experiência educativa pode ser conteúdo científico?

Este artigo focaliza para as formas de pesquisa que podem transformar a experiência docente em conteúdo científico seja pelo viés mais quantitativo ou qualitativo. Neste sentido este texto procura delinear os procedimentos fundamentais para a produção de pesquisas sociais e científicas no âmbito educacional. A partir desta proposta aos professores de tornar-se um produtor de conteúdo, a partir de sua história, este texto parte da hipótese que a contribuição de experiências e vivencias do âmbito docente, podem ser transformadas em documentos científicos que se aproximam com precisão, da realidade cotidiana escolar. Neste sentido, agrega mais verdade do que muitos textos de análises puramente teóricas. 

Introdução

Este artigo parte da premissa de que o conhecimento científico não é algo fixo e quantificável, podendo está articulado em âmbitos qualitativos e vivenciais. O conhecimento também se delineia nas noções abstratas e dificilmente quantificáveis. Para entendermos de produção de conteúdo e conhecimento, primeiro temos nos aproximar do conceito de ciência.

Para alguns a ciência se identifica com as ciências naturais ou com a pesquisa em bases quantitativas. Neste caso, para ser científica uma pesquisa deveria estar fundamentada em fórmula e diagramas. Nesta acepção limitada e reducionista, uma pesquisa sobre aspectos abstratos da sociedade não seria científica, como por exemplo, estudos sobre subjetividades no cotidiano escolar. Evidentemente não é esse o sentido do termo científico, ele é bem mais amplo e abrange desde elementos quantificáveis a fatores que são expostos somente por uma pesquisa altamente qualitativa.

As pesquisas que possuem demandas mais prementes nos dias de hoje, no setor educacional, são a que estão no âmbito qualitativo, sem deixar de fora algumas análises quantitativas.  A escola hoje está no centro das questões da sociedade seja na sua organização política, ambiental ou cultural. 

Portanto a produção de conhecimento advinda do setor educacional é urgente e necessária para lançar luz ao nosso meio social. 

Vale lembrar que, consubstanciados na produção de um conhecimento científico, estão o criticismo e a problematização, sem eles, não saímos do senso comum. Neste sentido, procuraremos seguir Paulo Freire, quando alega que “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática” (1979, p. 39). 

O pesquisador, além de superar o senso comum, precisa fazer análises que vão também além do pensamento extremamente positivista, pois este modelo produz resultados que não só não dão conta da complexidade do que quer que se proponha elucidar a respeito da vida humana, como resulta em conhecimentos que se detêm na aparência, que ocultam a essência dos fenômenos que examina e que, por isso mesmo, não passam de pseudoconhecimentos (PATTO, 1990, p. 183).

A atualidade pode ser um tema científico?

Diante de uma realidade escolar da atualidade como, por exemplo, “o problema da exclusão digital,” eu posso me propor a tornar este fato que pode estar ligado a uma narrativa jornalística em tema científico.

Sabemos que o número grande de crianças e jovens pertencente à rede pública escolar, não possuem o equipamento necessário para cumprir o programa escolar de suas casas.

Este fato dentro da situação de pandemia em que vivemos, é gerador de problemas presentes e futuros e também é dinâmico, ou seja, a situação pode mudar pra pior, ou melhor. A melhoria da situação é dependente quase por completo, da vontade política das esferas administrativas, federais, estaduais e municipais. Porque são estas esferas que determinam as ações para resoluções dos problemas do ensino público. Existem ações menores que podem amenizar a situação como ações comunitárias, sindicais de professores e familiares.

Para que estes conhecimentos do fato ou problema apresentado tenha valor científico e se torne um documento de referencia histórica e que possa ser veiculada por meio da internet será necessário a metodologia da pesquisa participante. A questão da utilização de um método científico vai de encontro com a necessidade de analisar profundamente a realidade, a fim de decifrar os fatos na revelação de sua estrutura oculta (KOSIK,1969).

O problema da exclusão digital na atualidade se revela como um problema social que tem como fundo a desigualdade entre os estratos sociais. Quando transferimos este problema, para o campo escolar, ele se revela como um problema cotidiano que se soma a todos os aspectos da exclusão social como um todo. Portanto, para explicar a exclusão digital, precisamos ir mais além do reducionismo empírico que trabalha somente sobre os dados restritos desta exclusão e caminhar na direção de uma exclusão delineada em campos mais amplos. Por exemplo: exclusões econômicas, de representatividade, de campo interesses e identificações. 

 Para sair da ingenuidade do senso e do reducionismo positivista, os professores atuantes são os pesquisadores mais instrumentalizados, pois eles são os atores deste cotidiano e participam do campo de pesquisa.  

Pesquisa participante no âmbito escolar

No contexto atual da educação e diante dos problemas sociais que hoje a transpassam, a pesquisa e a produção de um conteúdo vivencial necessitam de estratégias metodológicas. Estas estratégias irão permitir a superação das dicotomias sujeito-objeto, teoria-prática, presentes nos processos de pesquisas educacionais. Fundando uma visão inovadora para a aproximação desta atualidade (BRANDÃO 1999 p18). Isto irá possibilitar uma produção coletiva de conhecimentos em torno de vivencias, interesses e necessidades dos grupos situados de maneira histórica e socialmente.

A pesquisa tem que estabelecer primeiro uma quantificação do problema, por exemplo, o número de crianças em uma determinada escola, que não conseguem cumprir o programa escolar por dificuldades de acesso aos recursos tecnológicos demandados. Será importante também delinear os fatores e processos sociais que estão inseridos no problema com suas referencias e contradições, como fatores de classe, fatores raciais. As contradições que espelham nesta problemática econômica são muitas, para começar, vemos, nestas situações, inclusão digital versos pobreza.

A partir deste levantamento, fazer um levantamento dos tipos de problemas e definir ações coletivas. Estas ações coletivas deverão levar em conta, família, comunidade, escola e esferas públicas. Esta fase da ação, já define a pesquisa como pesquisa-ação, e pode-se escolher em optar ou não optar por esta metodologia.

No nível da pesquisa participante, na análise dos sujeitos do campo de pesquisa e sendo um participante deste campo, o professor pode produzir pesquisas com aprofundamentos e problematizações bastante incisivas e diversas.

Na temática da exclusão digital podemos ir a várias direções, como questões raciais que estão relacionadas com esta exclusão, pautas identitárias, questões econômicas, questões de letramento estrutural, questões de letramento digital e muitas outras que transpassam o âmbito escolar. 

 Sugestão de procedimentos para uma pesquisa educacional relacionada a exclusão digital

Objetivos:

– Contribuir para a compreensão da exclusão digital como parte integrante da vida na escola

– Contribuir para a compreensão da escola como expressão das formas que a vida assume na sociedade que a contém

Metodologia:

– Observação da realidade material e humana da escola, participando de seu dia-a-dia

– Extrair impressões sobre os participantes da comunidade escolar por meio de observação e entrevistas envolvendo: professores, administradores, técnicos, alunos e pais.

– Levantamento bibliográfico sobre cultura digital, para termos uma ideia histórica e epistemológica sobre o saber tecnológico.

A partir deste esboço para se começar uma pesquisa e uma produção textual, pode-se ter uma ideia da diversidade de elementos presentes em uma só temática. Se acrescentarmos novos focos de pesquisa atrelados a esta temática, novas dimensões do conhecimento se somarão com a temática da exclusão digital indo para esferas da psicologia, sociologia, filosofia e muitas outras.  

Conclusão

Vimos neste artigo que a produção de conhecimento, no âmbito educacional, passa por uma análise crítica e rígida da realidade. O conhecimento demanda procedimentos que transforme fatos da realidade em conclusões científicas de viés social, neste sentido uma pesquisa depende de pressupostos teóricos e a relação do pesquisador na construção simbólica do outro que investiga.

Por fim, também concluímos que a produção do conhecimento, apesar de ser um trabalho árduo, é realizador e significativo para o produtor e para os leitores. A produção de conhecimentos sobre a educação é legitimamente o campo de pesquisa dos professores, pois é o profissional atuante deste campo. Existe um problema histórico no campo educacional em que profissionais de diversas disciplinas como psicologia, sociologia, filosofia, história e outras, produzem teorias sobre a práxis educacional sem estar envolvido com o campo de ação desta área. 

Este problema causa disparidades entre teoria e prática produzindo modelos pedagógicos enrijecidos e supostamente universais que não focalizam as situações cotidianas e singulares de uma sala de aula. Neste vão entre teoria e prática surge o efeito do anacronismo de certas teorias que não acompanharam as mudanças tecnológicas, comportamentais e sociais, juntamente com os problemas que nascem destas novas demandas. 

Diante destes fatores, podemos concluir que a produção de conhecimento advinda do setor docente é muito esperada, pois quanto mais produção desta área, mais se preencherá o vazio epistêmico deste setor social. Uma noção que também podemos extrair desta problemática educacional é que as soluções de problemas que estão relacionados com o ensino sairão da produção intelectual dos professores.

BIBLIOGRAFIA

BRANDÃO C. R. Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 2001.

ECO U. Como se Faz Uma Tese, São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969.

PATTO,M.H.S. A Produção do Fracasso Escolar – Histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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