O Aspecto sociocultural da arte – inclusão e heterogeneidade

O novo paradigma da inclusão mostra a necessidade das atividades didáticas serem conduzidas, levando em conta a heterogeneidade existente na sala de aula. Neste sentido o campo das linguagens artísticas é muito fértil para a produção de projetos que giram em torno das linguagens expressivas e também para projetos interdisciplinares de abordagens amplas. 

Introdução 

Neste artigo, em uma primeira abordagem, veremos algumas possibilidades de trabalhar as linguagens artísticas focando para o conceito de heterogeneidade. Focalizaremos também o aspecto sociocultural da arte no conceito de trocas semióticas apontado por  Felix Guattari (1996). Seguindo em uma rota, para delinear como a proposta didática pode ser inclusiva, precisaremos analisar seu reverso, ou seja, o quanto a educação se tornou exclusiva. Esta análise terá como base a história de dois modelos que estiveram e ainda estão presentes no meio escolar: o Modelo de integração (modelo médico) e o modelo de inclusão (modelo social). 

Heterogeneidade e arte

No seu significado, a heterogeneidade é uma qualidade do que é heterogêneo. Do que é composto de coisas, elementos ou partes de natureza diferente. Também algo que não possui uniformidade, que é composto por partes distintas, tem como sinônimos a diversidade, diferença, hibridez. Atualmente os campos, prático e teórico, da educação passam por demandas que incluem a diversidade e a hibridez. A diversidade está colocada hoje na ética das relações sociais, a pessoa que não enxerga, não acolhe e não tolera esta diversidade está eticamente desconectada de todo ato social e principalmente da ação pedagógica. A hibridez já corresponde ao aspecto da organização de uma proposta didática, eu posso propor uma temática em que os alunos irão trabalhar toda a parte de conteúdo na internet e posteriormente organizar debates para depurar toda a informação. Posso também como um mediador, contrapor e/ou complementar a tudo que foi apreendido, teorias e conhecimentos científicos que faltaram nas analises dos alunos. A proposta de trabalho com as linguagens artísticas vem unificar estes dois planos da diversidade e da hibridez quando possibilita elaborar propostas de criatividade e expressividade sobre temas que estão ligados a qualquer disciplina.

O professor pode recorrer, por exemplo, a uma proposta teatral para abordar temas de história ou sociais, as artes visuais podem ajudar na construção de maquetes para exemplificar muitos temas de biologia, geografia e até economia, podendo em todos este casos se utilizar da tecnologia como em propostas gráficas ou tridimensionais ( dependendo dos recursos da escola). 

A música, no seu aspecto sociocultural, propicia o desenvolvimento de vínculos interpessoais e intrapessoais, e é capaz de abrigar a heterogeneidade existente na classe escolar, pois é um conhecimento que pode ser trabalhado de forma não linear, não exigindo dos alunos, um desenvolvimento homogêneo, organizado em etapas.

Em uma oficina de música, podem-se desenvolver tantos projetos escolares como extracurriculares, misturando faixas etárias, como, também, trabalhar com alunos que apresentam grandes diferenças de aptidões cognitivas, emocionais e culturais.

Os fatores decorrentes da diversidade escolar, enriquecem o ensino-aprendizagem e estimulam a formação de vínculos entre os alunos, quando existe demanda e solicitação de ajuda entre eles.

Em uma proposta artística e interdisciplinar, a diversidade e a preservação da individualidade de cada um irão colaborar para o desenvolvimento sociocultural do grupo.

Cultura como troca semiótica  

A heterogeneidade existente na sala de aula aponta para vários aspectos da diferença: racial, cognitiva, motora, afetiva, emocional e de comportamento – esta envolve diferenças de orientação sexual, e orientação de gênero. 

 Estas diferenças elencadas aqui são as que mais suscitam abordagens transdisciplinares a fim de conhecê-las e valoriza-las. Abordar questões advindas destas diferenças é uma ação pedagógica corajosa e eficaz na solução de problemas com a discriminação e o preconceito. 

 Em contrapartida, podemos também, nunca abordar estas questões, alegando que todos os seres humanos são diferentes em suas personalidades e potencialidade. Só que agindo desta forma não estamos vendo que existem diferenças aceitas por um padrão normativo social e outras não. 

Este padrão existe por ser decorrente de dois fatores:  O etnocentrismo que valoriza a cultura europeia branca e patriarcal e de visões moralistas construídas a partir deste etnocentrismo por meios institucionais alienantes e massificadores, que vão desde dogmas religiosos até os meios de comunicação de massa.

Quando se trabalha no sentido no sentido de apontar padrões condicionantes de comportamento que foram normatizados antes de nós e que, portanto nos condicionam, estamos desenvolvendo trocas semióticas no sentido de desconstruir o instituído, ou seja, trocas de sentidos e novos significados. Desconstruir sentidos e significados desgastados por padrões condicionantes é fazer cultura na sua forma mais aberta e não reacionária.

Para Guattari (1996 p.16,) O próprio conceito de cultura é reacionário por separar as atividades semióticas como: Dança, música, artes plásticas, artes cenográficas, audiovisuais, culinária e outras áreas de ação humana. Quando estas áreas são separadas são cortadas em sua realidade política, submetidas a uma política dominante. Guattari está se referindo a cultura de massas quando esta condiciona padrões e capitaliza tudo que surge decorrente das ressignificações humanas para instituir novas formas de condicionamentos. 

Os professores junto com seus alunos, devem se contrapor a todos condicionamentos impostos pela massificação, propondo projetos interdisciplinares. Quando criamos a possibilidade de formalizar um projeto cultural que envolva conhecimento e arte estamos construindo campos de significações, um campo vivo de produção de sentidos e de novos significados. Neste sentido, constrói-se um ambiente educativo oposto a todo padronização imposta pelos modos dominantes de produção.

A participação cultural na educação precisa caminhar em direção na valorização de singularidade em oposição à particularidade. Na particularidade o individuo faz história, mas não sabe que a faz, o que não ocorre quando ele vive como singularidade; aqui ela faz história e sabe disso; sabe que é alienado e se apropria de alienação. A singularidade é oposta a particularidade individual porque é construída em conjunto com a coletividade. Em um ambiente coletivo, como é o caso da escola- quando se propõe atividades que desenvolvam cultura e saber- livres de qualquer preconceito, estamos construindo um ambiente coletivo, heterogêneo e com muitas singularidades.

Para Guattari a cultura de massa produz indivíduos normalizados, articulados uns aos outros, segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão (GATTARI P.16).

O Modelo de integração (modelo médico) e o modelo de inclusão (modelo social)

Coloco agora uma discussão entre dois modelos existentes na práxis escolar que surgiram no inicio do século XX e perduram até nossos dias. O modelo médico, que possui seu discurso baseado em mensurações de inteligências e mais recentemente, em categorizações de personalidades, discurso que muitas vezes resulta em diagnósticos estigmatizados que marcam crianças e jovens em virtudes de suas diferenças, sejam elas, comportamentais, cognitivas ou até culturais.

 O outro modelo é o modelo social que possui como premissa básica a inversão da proposta do modelo médico, neste modelo, a sociedade precisa adequar-se às necessidades de seus membros a não o indivíduo a ela.

No inicio do século XX, a determinação dos “anormais” e sua segregação já era uma prática social de competência dos médicos, muitos dos quais tiveram uma participação decisiva na constituição teórica e instrumental da psicologia educacional, direcionando-a, para a descoberta de uma identidade baseada no modelo médico (PATTO, 1999, P.88). Nas décadas de 1960 a 1970, por meio da psicologia atrelada á pedagogia, este modelo iria resultar em um crescimento das escolas paralelas e das práticas ligadas a reabilitação escolar, muitas vezes, colocando a criança em circuitos infindáveis de instituições psiquiátricas, colaborando indiretamente com a evasão escolar.

Mannoni, em “Educação Impossível” (1988) declara, referindo-se ao ensino na França em 1973, que a educação cedeu passo á instrução; esta, por seu turno, converteu-se em empresa impossível e deu lugar a medicina. Este deslizamento engendrou a aparição de uma entidade mítica chamada “equipe médico-psi” (metáfora para designar o corpo médico), a qual constitui um dos fenômenos mais perturbadores da época atual (1988, p.70).

Correspondente ao novo paradigma da inclusão, o modelo social surgiu entre as décadas de 1980 a 1990, representado por vários movimentos sociais, que cobravam da sociedade maneiras de eliminar suas barreiras físicas programáticas e atitudinais em relação a crianças e jovens portadores de necessidades especiais. A partir desse modelo social, surgiu o paradigma de inclusão social, processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir as pessoas até então marginalizadas, que procuram capacitar-se para participar da vida da sociedade (SASSAKI, 200).

A oposição integração/inclusão; modelo médico/modelo social reflete-se na seguinte diferença: No modelo médico ou de integração, o individuo precisaria, em primeiro lugar, provar a sua capacidade de fazer parte de sociedade, conseguida por meio de treinamento, enquanto que no  modelo social ou de inclusão, são as instituições sociais (principalmente, escola e trabalho) que precisam ser modificadas para incluir.

Conclusão

Vimos neste artigo, como a heterogeneidade e o trabalho com ela enriquecem as propostas pedagógicas. Este enriquecimento se da de forma profunda, quando se desmitifica algumas noções que estão na base de modelos homogeneizadores e normativos, como é o caso do modelo médico. 

 Fica uma questão, 

Será que o modelo medico, baseado em testes de mensurações que vão desde a medições de inteligências até as medições de personalidades, causando diagnósticos estigmatizados e evasões escolares foi superado?

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVIN, JULIETTE.Musicoterapia. Buenos Aires: Paidos, 1967. AQUINO, J.G. Do Cotidiano Escolar-Ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000. BERNARDINO, L. M. F. De Uma Instituição Ideal a Uma Pratica Possível, Efeitos de um encontro. Estilos da Clínica, ano I, n.1, p.80-85, 2ºsem. 1996.

 BRAUER, J. F. Ensaios Sobre a Clínica dos Distúrbios Graves na Infância. São Paulo: Casa dos Psicólogos, 2003. CARDOSO, C. F. S. Epistemologia Pós-Moderna, Texto e Conhecimento: A Visão de um Historiador. Diálogos, Maringá, v.3, n.3, p.1-28, 1999. 

FALSETTI, FRANCHINO. Educazione Al suono e allá musica – Il laboratório Tra Sperimentazione e Progettualità Educative. Azzano San Paolo – BG: Edizione Junior, 2001. 

GUATTARI, F./ROLNIK S. Micropolítica – cartografias do Desejo. Petrópolis, Vozes, 1996.

GOTTI, M.O. Mesa Redonda – Inclusão Escolar: Desafios Disponíveis em: http://www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/anaispdf/Marlene.pdf.Acesso em: 18/12/07. 

 KUPFER, M. C. Apresentação da Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. Estilos da Clínica, ano I, n.01, p.9-17, 2º sem.1996.

MANONI, M. Educação Impossível, Rio de janeiro: F. Alves, 1988.

PATTO, M. H. A Produção do Fracasso Escolar. São Paulo. Casa do Psicólogo, 1999.

SASSAKI, R. K.  Inclusão Dá Trabalho. Revista Sentidos, ano I, n.5, p.6-7, maio 2002.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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