Relação entre educação e psicologia – pesquisa participante

Este texto tem como eixo: O professor pesquisador de seu meio, frente aos problemas enraizados no âmbito educacional. A pesquisa docente se adequa ao modelo participante e traz por meio de conteúdos quantitativos e qualitativos, o delineamento de um problema.  Os dois pontos basilares para uma pesquisa são: o problema e a hipótese.

O descobrimento de um problema acontece quando há um olhar crítico atrelado a uma pesquisa primeiramente bibliográfica e posteriormente historiográfica. A análise bibliográfica e historiográfica terá que ser regida por uma curiosidade semântica, ou seja, correr a traz do sentido de um fato histórico ou teoria.  

No contexto atual da educação e diante dos problemas sociais que hoje a transpassam, a pesquisa e a produção de um conteúdo vivencial necessitam de estratégias metodológicas. Estas estratégias irão permitir a superação das dicotomias sujeito-objeto, teoria-prática, presentes nos processos de pesquisas educacionais. Fundando uma visão inovadora para a aproximação desta atualidade (BRANDÃO 1999 p18). Isto irá possibilitar uma produção coletiva de conhecimentos em torno de vivencias, interesses e necessidades dos grupos situados de maneira histórica e socialmente.

A partir destas premissas, este artigo irá abordar a crítica ao pragmatismo educacional que acontece na atualidade, quando este pragmatismo se fundamenta em teorias científicas de cunho mais psicológicos e biológicos do que social. 

Introdução

Focalizaremos neste artigo para sugestões de  trabalho de pesquisa docente, em torno de temáticas que envolve a relação de duas bases epistemológicas que estão presentes no âmbito escolar; a educação e a psicologia. 

Para visualizar os pontos de intersecção entra psicologia e educação será preciso uma análise histórica e social, de forma panorâmica, sobre o novo paradigma político e cultural pós-revolução francesa. A nova ordem burguesa vendeu a tese de existência de igualdade de oportunidades na ordem social, que substituiu a sociedade de castas anterior à revolução, tida como absolutamente injusta. Havia antes uma igualdade separada por castas, plebeus e nobres iguais em suas classes separadas. A partir da revolução ouve a passagem da igualdade formal (de castas) do modo absolutista para a desigualdade social real do modo de produção capitalista. Obviamente os dois modos – absolutista e capitalista – nunca resolveram os problemas sociais até nossos dias.

Justificativas das desigualdades: modelo absolutista/modelo capitalista

Diante do problema da desigualdade, teóricos defensores da nova ordem social, precisaram desenvolver o ideário de igualdade de oportunidades calcado na meritocracia e sustentado pelo pensamento filosófico, sociológico e psicológico. A principal defesa da nova ordem para justificar as desigualdades foi transformar ou traduzir as desigualdades sociais em desigualdades raciais, pessoais ou culturais (PATTO, p. 50).

No antigo modo absolutista, a nobreza era sustentada e justificada por valores divinos formulados pelo clero, o rei para demostrar a natureza divina do seu poder se cercara de formas ritualizadas e comportamentos distintivos para sacralizar sua própria imagem. (SOUZA)

 A partir da instauração da nova ordem burguesa, segundo Helena Patto (1999) , as interpretações teológicas do mundo, transformaram-se em interpretações científicas. 

A providencia foi substituída pela fisiologia, ciência experimental e positiva que, antes da psicologia, voltou-se para a questão das diferenças raciais e individuais (PALIAKOV IN PATTO 1999).

Em um cenário de pesquisas científicas sobre diferenças raciais advindas da fisiologia, antropologia e biologia, que alegavam a superioridade da raça branca europeia, juntamente com a sociologia funcionalista de Durkheim, nasce à psicologia diferencial.

A psicologia diferencial propõe a investigação quantitativa e objetiva das diferenças existentes entre indivíduos e grupos. O percursor deste modo psicológico e investigativo foi Francis Galton (1822-1911), modo que é preconizado até nossos dias por meio de testes e entrevistas, no âmbito educacional. Galton foi o criador dos testes psicológicos, criando vários testes e medidas de processos sensoriais, anteriores aos testes de inteligências (PATTO, P, 58). A hipótese principal de Galton era provar que a capacidade intelectual era determinada hereditariamente. 

A psicologia diferencial viria justificar as diferenças sociais diante da “igualdade de oportunidades” preconizada pelo modo capitalista burguês. Nas palavras de Hobsbawn (1979) “o mundo da classe média estava livremente aberto a todos. Portanto, os que não conseguiam cruzar seus umbrais demonstravam uma falta de inteligência pessoal, de força moral ou de energia que automaticamente os condenava ou, na melhor das hipóteses, uma herança racial ou histórica que deveria invalida-los eternamente, como se já tivessem feito uso, para sempre, de suas oportunidades” (p. 219-220).

O ingresso da psicologia no campo escolar se da, influenciado pela psicologia diferencial, fundada por Galton. As pesquisas hereditárias de Galton desembocaram na eugenia, uma das maiores aberrações científicas do século XX. A palavra eugenia foi varrida de seu livro nas revisões de 1949 e 1958 devido a utilização do conceito pelos nazistas. 

A psicologia diferencial de Galton será a percursora dos testes de inteligências, tão preconizados no  incremento da escola  nova.

 A diferença entre os escolanivistas e Galton, reside na crença dos fundadores da escola nova, em identificar os mais aptos e promove-los socialmente. Em torno desta crença congregaram psicólogos e pedagogos que, na virada do século, sonharam com uma psicometria e uma pedagogia a serviço de uma sociedade (de classes), igualitária (PATTO, P.62)

 Portanto, com essas premissas comprovadas historicamente, existem dois discursos que perpassam a defesa da nova ordem burguesa, com intuitos de justificar o problema da desigualdade social criado pelo novo modelo de produção industrial. 

O primeiro discurso vem surgir com as teorias racistas entre 1850 e 1930 – doutrinas antropológicas formuladas pelos fisiólogos tendo Cabanis como seu principal influenciador desta ideia. Médico e filósofo francês que defendia teses poligenistas, segundo as quis a origem da espécie humana era múltipla, concluindo que existiam raças anatômicas e fisiologicamente distintas e psiquicamente desiguais. Estas ideias irão desembocar em teses altamente racistas sobre herança de caracteres adquiridos e relação entra clima e temperamento. Vale lembrar que este arcabouço teórico também é abraçado pela psicóloga diferencial com Galton, como já vimos.

O segundo, atrelado ao ideário da escola nova e difundido por psicólogos e pedagogos até nossos dias, está embasado no mérito pessoal. Este discurso irá dar origem a procedimentos de psicometrias de toda ordem – da mensuração da inteligência até a mensuração da personalidade, muito em voga nos dias de hoje.

Sugestões de pesquisa sobre as novas propostas pedagógicas

A partir destas informações que vimos, sobre a relação da psicologia, sociologia e educação, proponho agora, elucidar o conceito de pesquisa participante para um posterior trabalho.

A pesquisa participante é o modelo metodológico que faz com que as fronteiras dicotômicas entre sujeito e objeto, colocadas pelas perspectivas positivistas, se diluam, dando lugar a uma concepção unificada do problema a ser abordado. Isto acontece, quando o professor, na pesquisa de seu campo, constrói um conhecimento juntamente com todos os atores envolvidos no processo educacional. Com este conhecimento construído pela pesquisa bibliográfica e por meio de vivencia e trocas interativas ele busca dimensionar os problemas e formular uma hipótese abrangente para soluciona-los. 

O eixo basilar, para o pesquisador unificar a pesquisa bibliográfica, e o conhecimento vivenciado no cotidiano educacional, é a transformação do conteúdo gerado em conhecimento científico. Para Kosik (1969), o método científico é o meio pelo qual se pode decifrar os fatos revelando sua estrutura oculta. 

Veremos agora algumas sugestões de pesquisas educacionais a partir do que se está sendo colocado como novidade no cenário educacional. Os nossos objetos de pesquisa serão, então estas novidades.

Gamificação

Conceito criado pelo programador britânico Nick Pelling em 2002 e propagado entre os anos de 2010 e 2012. Será importante para a pesquisa delimitar as diferenças que existem entre o conceito de jogo e de gamificação.

– Conceito de jogo na acepção do pesquisador Johan Huizinga: O jogo se processa dentro de limites temporais; possui regras comuns; se realiza fora da esfera de necessidade ou utilidade material; se realiza em um ambiente de arrebatamento e entusiasmo; torna-se sagrado e festivo de acordo com as circunstancias (HUIZINGA, 1980.p.147).

– Conceito de gamificação na acepção da desenvolvedora de jogos, Jane Macgonical: metas, regras, sistemas de feedback (resultado e estratégias) e participação voluntária.

Características básicas da gamificação aplicada nas escolas: autonomia, engajamento, metacognição, estratégia.

Para delimitar este objeto de pesquisa, a fim de tornar um conhecimento científico, será preciso, de acordo com as indicações de Umberto Eco (2002, p.21), problematizar as informações sobre o conceito de gamificação, para tira-las do senso comum, no sentido de promover a ingenuidade a criticidade.

Procedimentos analíticos sobre o objeto de pesquisa

  1. O objeto do estudo precisa ser reconhecível de tal maneira que seja reconhecido pelos outros: definir as condições sob as quais podemos falar, com bases em certas regras que estabelecemos ou que outros estabeleceram antes de nós. Neste ponto precisaremos investigar os objetivos e características das propostas de gamificação, sua origem histórica e em que campo de ação humana este conceito surgiu e porque este conceito está sendo utilizado como uma novidade didática.

  1. Deve dizer do objeto, algo que ainda não foi dito, ou rever de uma forma diferente o que já se disse. Neste sentido, devemos problematizar, pois a problematização é o ato intelectual de trazer a tona, as bases sociais e filosóficas de um conceito, determinada pelo cenário histórico e político para vislumbrar os verdadeiros objetivos de um novo paradigma.

 Posso investigar, por exemplo, as bases da ciência e psicologia que residem na proposta de gamificação advindas do funcionalismo e da psicologização da sociologia e que buscam ver na educação um campo utilitarista para preparar crianças e jovens para o trabalho sem desenvolver a subjetividade crítica.

Também posso formar um juízo crítico de uma proposta que valoriza bastante a autonomia das crianças, o que é uma característica muito positiva, mas que, sem o trabalho que valorize também a heteronomia, a proposta pode estar fadada ao desenvolvimento do individualismo.

 É importante lembrar que a heteronomia foi um conceito criado por Kant indicando que o sujeito deve ter responsabilidades com a coletividade, neste sentido, pode-se estabelecer diferenças entre games – causador de muitos problemas relacionados ao individualismo infantil – e jogos ou brincadeiras tradicionais mais atreladas ao campo lúdico e, portanto mais coletivos.

  1. O estudo deve ser útil aos demais. A utilidade de uma pesquisa se mede pela sua relevância, pois esta qualidade a fará indispensável para outras pesquisas futuras. Portanto, outras pesquisas que discorrerão sobre o tema da gamificação nas escolas, terão como base critica e científica, pesquisas que se debruçaram em problematizações de impacto social, cultural e científico.
  1. O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das hipóteses apresentadas e, portanto para uma continuidade pública. Neste sentido devo oferecer algumas provas de minha hipótese; metodologias e indicações de procedimentos de pesquisa. Cabe lembrar que um campo social, como a escola cobra uma elucidação sobre os objetivos de uma proposta pedagógica. No caso da proposta de gamificação, saber se está voltada somente para o desenvolvimento de habilidades utilitaristas; para o campo da psicologia social e experimental com objetivo de categorizar os indivíduos; ou, no seu aspecto positivo, contribuir para a valorização subjetiva do individuo, principalmente no sua característica crítica.

BIBLIOGRAFIA

BRANDÃO C. R. Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 2001.

ECO U. Como se Faz Uma Tese, São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969.

PATTO, M.H.S. A Produção do Fracasso Escolar – Histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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