Interatividade coletividade e projeto de vida

O projeto pedagógico para o século XXI põe o aluno no centro de qualquer proposta didática, ou seja, a sua autonomia e toda modificação epistemológica decorrente. A partir deste pressuposto, e lembrando que o conceito de autonomia converge para ações coletivas, conclui-se que será preciso desenvolver uma trajetória em três eixos: interatividade, coletividade e o desenvolvimento de um projeto de vida.

 Este último precisa estar alicerçado em um embasamento que problematiza as relações sociais e culturais, tornando visíveis as contradições do campo social. A proposta pedagógica de desenvolvimento de “projetos de vida” tem algumas bases frágeis, do ponto de vista crítico e social, pois está relacionada cientificamente com o campo da neuropsicopedagogia que vê o ser humano como um ser adaptável a qualquer ambiente por meio de sua criatividade e pró-atividade. 

Conceitua-se, no viés da neuropsicopedagogia, o reconhecimento das funções essenciais do sistema nervoso humano em ajustar o organismo ao ambiente, em perceber e identificar as condições ambientais externas, bem como as condições reinantes dentro do próprio corpo, em elaborar respostas que adaptem a essas condições, em integrar as funções sensoriais, integrativas e motoras.

Neste ponto de vista não se visualiza o espaço de debate crítico ao ambiente, ou seja, a sociedade não é um ambiente natural onde o ser humano precisa se “adaptar”, ela é uma estrutura organizada, e devido a sua construção não ser natural, é passível de muitas críticas sociais. Será preciso acrescentar a uma proposta adaptativa, uma proposta que está mais atrelada à perspectiva de Vygotsky, – o homem transforma seu meio, ao mesmo tempo, transforma-se a si mesmo.   

Portanto, o que se discute neste artigo é a falta de análise de causalidade histórica e social de algumas propostas pedagógicas que estão sendo oferecidas como solução futura para todos os males e déficits do cenário educativo brasileiro.

Introdução

O projeto de pedagogia centrada no aluno e que tem uma verdadeira efetividade, vai em direção da autonomia do aluno e na investigação de sua personalidade no sentido de saber o que este aluno deseja, no jogo de interatividades com o mundo. Vai ao encontro das singularidades dos alunos a partir do estudo de sua comunidade e coletividade e suas potencialidades de competências.

 Esta investigação não é de maneira alguma, objetiva, transformando os alunos em objetos ou dados de uma pesquisa, e sim é um processo em que o professor propõe atividades de autoaprendizagem, onde os alunos conheçam e constroem suas subjetividades a partir de propostas que desenvolvam a consciência crítica. Tudo isso em um processo de construção do conhecimento onde convergem conhecimentos prévios; experiências individuais; e o conhecimento científico.

Os três eixos citados acima: interatividade, coletividade e desenvolvimento de um projeto de vida, trabalham na perspectiva de construção deste conhecimento amplo e vão de encontro com os quatro pilares da educação, considerados por Delors (1996) quais são: Aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a ser; aprender a conviver. 

 Os dois primeiros pilares – aprender a conhecer e aprender a fazer – enfatiza a relação da ciência com a construção do conhecimento escolar, que hoje se acrescenta o conhecimento tecnológico. A relação com o conhecimento em uma proposta condizente com o século XXI demandará um processo de interatividade e coletividade onde o ensino/aprendizagem envolve aluno, professor, família e comunidade.  Os outros dois pilares – aprender a ser e aprender a conviver – enfatiza o autoconhecimento, configurado em um projeto de vida. A proposta didática que focaliza para o projeto de vida visa construir um roteiro de autoaprendizagem onde se constrói com o aluno um campo de possibilidades somando suas potencialidades, autonomia, integração social e valorização pessoal.

A partir destas premissas, o que se propõe discutir são as bases epistemológicas que estão no conceito de ciência e no conceito de indivíduo. Bases que geram muitos enganos quando são colocadas em visões desprovidas de críticas sociais.

Ciência e interatividade – Aprender a conhecer

O conhecimento científico está bastante relacionado com o Pilar educacional “aprender a conhecer” que implica em garantir uma cultura humanística que se da no processo permanente de interatividade. Entende-se por esta perspectiva um conhecimento fundado na vivencia dos conceitos científicos e não em uma proposta enciclopédica onde os alunos decoram definições, fórmulas, datas históricas, transformando o conhecimento em dados informativos.

Quando se propõe, nas novas propostas pedagógicas, um desenvolvimento de competência e habilidades que estão relacionadas com o conhecimento científico, será preciso primeiro ter uma ideia global sobre o que é o conhecimento científico.

Neste sentido, conhecer as dimensões da ciência é imprescindível. A ciência está presente nos campos exatos e humanos do conhecimento; mensuráveis e imensuráveis; abstratos e concretos.

Segundo Umberto Eco, (2002, p.21), um estudo é científico quando responde aos seguintes requisitos:

  1. O objeto do estudo precisa ser reconhecível de tal maneira que seja reconhecido pelos outros: definir as condições sob as quais podemos falar, com bases em certas regras que estabelecemos ou que outros estabeleceram antes de nós.
  2. Deve dizer do objeto, algo que ainda não foi dito, ou rever de uma forma diferente o que já se disse.
  3. O estudo deve ser útil aos demais
  4. O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das hipóteses apresentadas e, portanto para uma continuidade pública. Neste sentido devo oferecer algumas provas de minha hipótese; metodologias e indicações de procedimentos de pesquisa.

Uma qualidade que transpassa estes requisitos e define o conhecimento científico é que ele precisa ser amplamente coletivo e universal. Neste sentido, transforma o que é uma opinião pessoal, ou até de um determinado grupo social em um conhecimento provindo de uma metodologia científica, livre de qualquer preconceito. Para se conseguir um processo abrangente de construção do conhecimento, é fundamental a experiencia trazida pelo aluno e sua perspectiva sobre um determinado assunto, seja ela , vinda de experiências pessoais, técnicas, informativas ou adquiridas por leituras de iniciativas próprias.

 Também é igualmente fundamental, a mediação do professor na transformação de opiniões individuais em um conhecimento problematizado e livre de ingenuidades e preconceitos.

Ciência e coletividade – Aprender a fazer

 A ciência quando colocada em um objetivo de ação coletiva está centrada no pilar “aprender a fazer” para a educação do século XXI.

 Isto configura um desenvolvimento de competência para lidar com o novo, com o diferente, com a transformação e com a mudança. Práticas de atividades de cunho social em um mundo que não é estático. Centrada em atitudes viabilizadoras e criadora de novas habilidades (PENTEADO, 27, 2002). Estas premissas apontadas pela pesquisadora e educadora, Heloísa Penteado tem como principal foco, a visão de um mundo não estático, e por isso passível de criação de novas estratégias educacionais.

Neste sentido, “aprender a fazer” é um conceito formado pelos desafios de novas demandas e a importância do trabalho coletivo para o conhecimento e a solução dos novos problemas. Vai de encontro com a metodologia comunicacional de ensino, onde prevê para os sujeitos de educação, professor e aluno, uma atuação em parceria. Prepara o aluno para tomar decisões conjuntas e promove a aquisição de valores, desenvolvimentos de competências, habilidades e atitudes. Todas estas ações do conhecimento precisam estar alicerçadas na vivencia das relações sociais, no exercício da cidadania e por fim na capacidade do raciocínio crítico/construtivo/colaborativo.

Projetos de vida – Aprender a ser/ aprender a conviver

Na proposta didática de projetos de vida está inserida a construção de um roteiro personalizado de autoaprendizagem. Para termos uma visão multidimensional desta proposta temos que submete-la a um cenário comparativo de concepções que versam sobre a interatividade dos indivíduos e o mundo.

Para José Moran, educador e pesquisador, um roteiro de autoaprendizagem se desenvolve em múltiplas dimensões e está em contínua construção e revisão (MORAN, 2017). Neste sentido está em constante modificação e adaptação.  A autoaprendizagem supõe reflexão sobre perceber-se, avaliar-se e transformar-se, o trabalho educacional neste sentido precisa estar inserido em uma perspectiva ampla, livres de nichos ideológicos restritivos, preconceituosos e limitadores. Na tríade formadora desta proposta, estão: valores, desenvolvimento de competências e aprendizagem por projetos.

Nesta perspectiva de Moran é preciso lançar um olhar crítico, quando considera que para se alcançar uma autoaprendizagem é preciso livrar-se de nichos ideológicos. Quando se fala em nichos ideológicos, estamos em um terreno que tanto pende para visões conservadoras como para visões transformadoras. Quando consideramos que a ideologia é uma ilusão criada por uma classe, para manter a aparente legitimidade de um sistema de dominação, estamos em uma posição crítica e, portanto, verdadeiramente, transformadora. 

Agora, quando consideramos que toda luta de classes e de minoria sociais são nichos ideológicos, estamos em uma posição conservadora, que alude e prescreve a adaptação às relações de exploração e dominação vigentes.

Para termos um projeto de vida para os alunos, projeto este, que seja crítico e construtivo do ponto de vista social e que trabalhe na formação de valores e no desenvolvimento de competências, é preciso livrar-se de ideologias plantadas pelos sistemas de dominação, como por exemplo, a ideologia de mérito (meritocracia), que prega que todos têm oportunidades iguais no plano social, e que precisamos transformarmos e adaptar-nos, e nesta conformação, aceitar a função social que nos é dada, sem discutir nossos direitos. 

No contraste desta visão de um projeto de vida para adaptar os jovens com o mundo das relações de trabalho, estão as acepções de Paulo Freire, onde afirma que a aprendizagem, como uma autoaprendizagem, deve ir no encontro da assunção do sujeito. Neste sentido, a verdadeira aprendizagem é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado. (1979, p,42)

Pontos positivos da proposta de projetos de vida:

Valorizar a diversidade de saberes e vivencias culturais, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

Pontos negativos de proposta de projetos de vida:

Criar um novo conceito de projeto de vida, com intuito de tornar o cidadão, um indivíduo adaptável a um mundo cheio de contradições, transformando alunos em pessoas acríticas e alienadas. 

Conclusão

Concluo com Foucault, quando mostra o pragmatismo das sociedades capitalistas prescrevendo a dinâmica educacional: “a centralidade dos corpos como objeto de poder, a importância que adquire o manejo, qualificação e distribuição, dão o tom da função educativa na sociedade moderna, um tom com inusitada característica de se destinar a todos os corpos e todos os segmentos sociais, calcado em único valor, O trabalho”. (FOUCAULT, 1999)

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BIBLIOGRAFIA

ECO U. Como se faz uma Tese. São Paulo. Perspectiva, 2002

FOUCAULT M. Em Defesa da Sociedade. São Paulo, Livraria Martins Fontes, 1999.

FREIRE P. Educação e mudança. Rio de janeiro. Paz e Terra, 1979.

PENTEADO, H.D. Comunicação Escolar – uma metodologia de ensino, São Paulo Salesiana. 2002.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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