Música como suporte inclusivo e metodologia de projetos

A música pode contribuir no processo de inclusão?

Para responder a esta questão, este texto se constrói sobre as demonstrações de possibilidades da música como instrumento inclusivo. Para este objetivo o presente artigo descreve uma oficina de música, que este pesquisador realizou no Projeto Tecer,  um espaço terapêutico sediado no Instituto de Psicologia da USP, ligado ao Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas da Psicose na Infância – LEPPPI, coordenado pela Profa. Dra. Jussara Falek Brauer, com apoio da FAPESP. 

O Projeto Tecer foi desenvolvido até o ano de 2007, e ofereceu atendimento clínico individual às crianças nele inscritas e, também, atendimento analítico às suas mães. Além destes atendimentos, e para propiciar a inclusão social e escolar de seus pacientes, constava, como um dos objetivos do projeto, o oferecimento de atividades musicais realizadas em grupo, a partir da hipótese da autora de que esse tipo de atividade poderia contribuir para o desenvolvimento da socialização de seus pacientes.

Introdução

Para a descrição deste projeto pedagógico começarei pelas características da oficina de música em um espaço terapêutico, dividida em sua abordagem e metodologia de pesquisa. Em segundo enfoque, passarei para os fóruns realizados sobre inclusão, suas leis subsequentes implantadas no Brasil e as especificidades da inclusão.

Oficina de música no Projeto Tecer

. Este projeto investia na construção de um espaço de convivência com crianças e jovens portadores de distúrbios graves. A sua principal meta era a inserção destes jovens na cultura e na sociedade, para a sua recuperação. Oferecia atendimento clínico individual, acompanhado e sustentado por uma escuta analítica dos pacientes e seus familiares. Além disso, havia um trabalho de acabamento terapêutico, incluindo oficinas pedagógicas e atividades de música, onde se incluía a presente pesquisa e intervenção. Um aspecto importante deste projeto era sua intenção de possibilitar aos pacientes que atendia uma inclusão ativa, fazendo-os despertar para um desejo de se incluir, e não, apenas, incluí-los a partir de procedimentos de caráter assistencial (GUIMARÃES P) Para tal objetivos era preciso atividades que despertassem nestes jovens e crianças o desejo da participarem de atividades construtivas e socializadas. Neste sentido, a música como atividade simbólica de inserção social, contribui para a inclusão destas crianças nas escolas regulares, por trazer um ambiente de socialização e criação artística coletiva expressa em um trabalho de projeto didático.

Antes de adentrar na descrição da oficina de música, é importante salientar que a linguagem musical, quando trabalhada no nível da musicalização, ou seja, no processo de vivencia sonora, ela é focada para o som como fenômeno físico. Neste sentido, o som é dividido em seus parâmetros de variação como duração, altura, intensidade e timbre para ser trabalhado experimentalmente, fornecendo um laboratório criativo.

A oficina contou com sete crianças e jovens de idades que variavam entre nove e dezessete anos, que eram atendidos neste espaço, eles apresentavam grandes dificuldades na fala e socialização, não tinham o hábito de estruturarem brincadeiras e de manter uma conversação, fatos que dificultaram muito o planejamento das atividades, pois seguidas vezes precisou-se ajustar, modificar e até descartar muitos planos de aula. Estas modificações não decorreram somente das dificuldades apresentadas pelos participantes, mais também de suas instabilidades emocionais. A instabilidade observada poderia ser decorrente da vários fatores, como conflitos familiares, efeitos de medicamentos e alterações de estados psíquicos e, quando ocorria em meio á aula, trazia muitas variações na disposição dos alunos em relação ás aulas. Para se adequar a esta clientela, a proposta pedagógica precisou se desenvolver por procedimentos didáticos mais abertos do que os usuais. Metodologicamente, havia um problema a ser enfrentado: como lidar com tantas variáveis na condução das aulas.

A primeira ideia que se originou desta primeira observação e contato foi trabalhar com o conteúdo musical e sonoro de maneira bastante lúdica provocando situações de mais proximidade entre todos. Outra foi utilizar materiais que possibilitassem uma visualização dos parâmetros sonoros como barbantes pintados, papéis coloridos que serviam para a codificação e decodificação dos sons e também para demarcar um espaço lúdico. Esta proposta incluía a participação de todos na confecção destes suportes, buscando momentos mais socializados e integrados á atividade de música. Com esta ideia desenvolveu-se jogos e brincadeiras interativas que contribuíram para formar um grupo mais conciso do que se apresentara antes destas estruturações. Outra ideia que foi determinante para tornar estes jovens, formadores de cultura e integrantes de uma pequena sociedade, foi envolvê-los em um projeto que incluía criação sonora, percepção, improvisação, coleta e confecção de objetos sonoros. O tema e objetivo deste projeto era compor e confeccionar uma partitura sobre a “viajem de um trem”. Este tema possibilitava bastante espaço para relações simbólicas: viajem como uma trajetória ou processo; trem como um veículo que une pessoas na viajem e liga diferentes lugares. O barbante que foi o objeto trabalhado desde o começo das aulas, tomou corpo em sua função simbólica, representava agora a linha de um trem o que também criava uma metáfora de relação união entre todos, amarração entre cada aula. O produto deste projeto foi uma gravação sonora com os sons compostos pelos alunos e uma partitura que trazia os desenhos dos participantes interligados por linha de lã. Esta partitura não indicava sons exatos e sim determinava um sentido para os sons improvisados. Nesta fase das oficinas produto e processo eram unificados, pois cada processo direcionado para a produção do objetivo principal gerava uma série de produtos positivos nas situações de aula, como, o fato dos alunos se ajudarem no processo, o envolvimento com o objetivo, e colocava um sentido em todo “fazer”, o que contribuiu para transformar o dia-dia destes jovens e crianças.

Fóruns de apoio à inclusão

A inclusão de crianças portadoras de diferenças, físicas, sociais e cognitivas se processou nas escolas regulares por meio da passagem do modelo médico de integração para o modelo social de inclusão. As bases deste novo paradigma social foram se constituindo por meio de fóruns mundiais que se realizaram no final do século XX.

 Alguns dos principais fóruns realizados em prol da inclusão escolar e social de jovens e crianças portadores de necessidades especiais foram: “A Conferencia Mundial de Educação para Todos”, realizada em Jontien, na Tailândia (1993); 16 a “Declaração de Salamanca”, na Espanha (1994); e o projeto aprovado pela Organização das Nações Unidas, pela Resolução n.45/91, definindo que, de 1991 até 2010, o conceito de inclusão seria implementado em toda a sociedade, no mundo inteiro.

Leis sobre a inclusão

Diante desse apelo e desafio mundial será preciso investigar de que modo estas perspectivas mundiais influenciaram e contribuíram para a criação de leis e planos educacionais no Brasil. 

Nesse sentido foram estudados alguns objetivos e diretrizes das seguintes leis que embasam a inclusão de crianças com necessidades especiais: O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA); as Leis Federais n. 8069/90, em seus artigos 53 a 54; e a Lei de Diretrizes e Bases (LDBEN) no. 9394/96 – em seus artigos 4, 58, 59 e 60, que reafirmam a garantia constitucional do direito a educação para pessoas com deficiência. O Plano Nacional de Educação (lei Federal n. 10.172/2001) reconhece como diretriz constitucional (art.208. III) a integração das pessoas com deficiência na rede regular de ensino e propõe uma escola integrada, inclusiva e aberta à diversidade dos alunos. Este plano dá diretrizes para a implantação de um modelo nacional em todos os níveis, nas escolas brasileiras. As recomendações contidas nessas leis abrem espaços para a elaboração de projetos ligados às áreas da saúde e educação, voltadas, agora, à inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais das mais diversas etiologias, no meio escolar. O Decreto Lei n.3.298, de 20 de dezembro de 1999, estabelece uma política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, compreendendo o conjunto de orientações normativas, que têm como objetivo assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência (in BRAUER, 2003, p.178). Com o exame da legislação recente brasileira a respeito da inclusão, percebe-se a importância e atualidade dos estudos que contemplam os procedimentos inclusivos, entre os quais o apresentado nesta pesquisa.

Especificidade da inclusão

Neste ponto, o fio da pesquisa tomou um rumo específico, direcionando-se para a questão da possibilidade de contribuição da música no processo de inclusão de crianças e jovens que apresentam distúrbios graves na infância, incluindo-se nesta categoria o autismo e a psicose infantil. 

Na descrição de Maria Kupfer, diretora do “Lugar de Vida” (Escola de Educação Infantil de cunho terapêutico ligada ao Instituto de Psicologia da USP), as pessoas que apresentam esse tipo de distúrbio batem-se, mordem-se sem razão aparente, por vezes isolam-se em um canto, não conseguem manter uma conversação, embora façam uma profusão de perguntas sem esperar resposta, mas, vez por outra, surpreendem com demonstração de inteligência (1996, p.9). Estes indivíduos costumam apresentar grandes prejuízos na fala e não têm o hábito de estruturar brincadeiras. As dificuldades são muitas para o trabalho inclusivo com crianças e jovens que apresentam este distúrbio. Para a Dra. Jussara Brauer, também do Instituto de Psicologia da USP, o quadro de deficiência destas crianças se deve a uma inibição generalizada, e não a qualquer outro distúrbio que impossibilite a sua superação (2003 p.171). Na opinião da autora, o trabalho cultural desenvolvido a partir de uma perspectiva inclusiva, envolvendo atividades como oficinas artísticas e pedagógicas, muito contribui para que se apresentem mudanças significativas no quadro de sintomas das crianças e jovens que apresentam tais distúrbios. Este tema revela um novo caminho que passa por este cenário inclusivo, e que pode contribuir decisivamente para a solução do problema da exclusão escolar e social de jovens que não se ajustam às normas de comportamento e desenvolvimento escolar. Nesta linha específica de problema, existe a união de diferentes setores envolvidos com políticas publicas: a área da Saúde, representada pela Psicologia e pela Psicanálise, com sua atuação em projetos sociais, e a área da Educação, ao defender o paradigma da inclusão social.

BIBLIOGRAFIA

BRAUER, J. F. Ensaios Sobre a Clínica dos Distúrbios Graves na Infância. São Paulo: Casa dos Psicólogos, 2003.

KUPFER, M. C. Apresentação da Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. Estilos da Clínica, ano I, n.01, p.9-17, 2º sem.1996.

 KUPFER, M. C. Educação Terapêutica: O que a Psicanálise Deve Pedir a Educação. Estilos da Clínica, ano II, n.2, p.53-60, 1º sem. 1997.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

1 Comment

  1. A música sempre contribuiu na vida do ser humano. O projeto Tecer ,super interessante é um grande exemplo. Mesmo sem instrumentos, mais a criatividade e o desejo de trabalhar com música de forma diferenciada leva ás pessoas desenvolverem de forma que seu trabalho chega a fazer a diferença na vida das pessoas, filhos, alunos, pais como foi citado pela coordenadora Dra. Jussara, que investiu na convivência com crianças e jovens portadores de distúrbios graves, trazendo eles para o conhecimento da cultura e da sua recuperação ,da fala e da socialização.
    A música trabalhada de forma lúdica nas escolas tem um sentido positivo para o aluno. A inclusão de crianças portadoras de deficiências tem sido mais valorizada a partir do século XX .Foi se desenvolvendo com os fóruns, as conferências educacionais realizadas.
    Para fortalecer a inclusão ,temos: O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) ;As Leis Federais, as Leis de Diretrizes e Bases que garantiu a educação para pessoas com deficiência na rede escolar de ensino.
    (Lei Federal n.10172/2001) reconhece a integração das pessoas com deficiência em rede regular de ensino e a integração da inclusão do aluno com deficiência, garantindo o acesso a escola a todos.

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