Pressupostos para a educação do século XXI

Lembrando que o terreno do ensino se constitui em uma arena de debates em luta histórica e dialética de apontamento de contradições, este texto tem o intuito de situar os pressupostos inseridos na proposta de educação para o século XXI.

Para situar tais pressupostos será preciso voltar na década de quarenta do século XX, para compreender algumas mudanças importantes que aconteceram em campos epistemológicos que embasam os objetivos educacionais.

Introdução

Nesta análise iremos partir do cenário brasileiro e para as modificações discursivas que ocorreram nos fundamentos científicos sobre as diferenças cognitivas de aprendizagem.

A primeira modificação do discurso científico que abordaremos, consiste da passagem das concepções heredológicas para as concepções ambientalistas das diferenças humanas. 

As concepções heredológicas se baseavam nas diferenças hereditárias no qual se baseava o discurso médico até os anos trinta, estas teorias sempre desembocavam em teses racistas, exemplificadas pelo a ideia de “retratos psicológicos” do brasileiro. Estas teses tinham sempre como pano de fundo, os pressupostos da superioridade da cultura europeia e da raça branca.

As concepções ambientalistas partem do ideário da psicologia da cultura implantada pelo médico e psiquiatra Arthur Ramos, influenciado pela antropologia do francês Lavy-Bruhl que se voltava para o conceito de cultura primitiva, esta concepção irá recair na concepção ambientalista que deduz que o problema de aprendizagem esta relacionado com o ambiente sociocultural.

Esta modificação no discurso que fundamenta alguns pressupostos do ensino, ainda possui a limitação socioeconômica que fará recair nos alunos de baixos estratos sociais a responsabilidade do déficit escolar, por virem de ambientes ruins ao desenvolvimento psicológico, e de possuírem uma cultura inferior e primitiva em relação á cultura europeia. Neste sentido, toda tese que não possui ainda uma crítica institucional irá reforçar os preconceitos de diferenças raciais e de classes sociais.

Além desta primeira temática, veremos também neste artigo o debate que se fez a partir de década de oitenta sobre a medicalização generalizada do fracasso escolar com a entrada de novas ciências como: psiconeurologia, e psicopedagogia. Estas apoiadas em um grande mito: “a medicalização do fracasso escolar”, nas palavras de Maria Aparecida Affonso Moysés.

Por último focalizaremos para as questões de fundo ético, pautadas nos objetivos e justificativas da educação, no sentido de saber se esta se presta a preparar os indivíduos para o trabalho dentro de uma ótica neoliberal de eficácia e alienação, ou volta-se para a construção de uma sociedade coletiva, inclusiva e sem determinismos embasados nas diferenças individuais.

Do aluno anormal para o aluno problema

A passagem da noção de hereditariedade intelectual para noção ambiental e cultural se dá por volta de 1939 com a instalação das clínicas de higiene mental, nas escolas, articuladas com a tarefa pedagógica. Funda-se o conceito da “criança problema” em contraposição com o conceito de “criança anormal”, ou seja, ocorre a mudança do foco da hereditariedade para o meio no estudo dos determinantes da personalidade (PATTO, 109). A frente deste discurso está o médico e psiquiatra, Arthur Ramos, que afinado com as ideias dominantes na psicologia educacional de sua época preconizava o conceito de desajustamento e a correção dos desvios individuais. Este pesquisador discordava do peso que a ciência atribuía à hereditariedade no desenvolvimento humano. Ela transfere para o ambiente familiar os desajustes de comportamento e intelectual da criança. Nesta concepção, se atrela também a concepção de higiene mental, estendendo os problemas de desajustes mentais, para os pais e até para os professores.

Alunos, pais e professores foram alvos de análises do tipo ambiental e de higiene mental até a década de oitenta, provocando, primeiro, uma falta de objetivos educacionais onde não se firmavam as responsabilidades pelo fracasso escolar e sua consequente evasão.

A partir desta década outra mudança surge, com mais efetividade a respeito destes problemas, a crítica institucional. Até este momento, eram muito poucas, as críticas ás instituições escolares e suas normas, presididas pelo discurso médico. A nascente deste discurso crítico partiu das criticas sociais ao sistema de produção capitalista e também da influencia da pedagogia institucional que se formou, na França, em torno da psicanálise e da metodologia de Celestin Freinet. 

Criada em 1958, por Fernand Oury, a PI é definida como um conjunto de técnicas, de organizações, de métodos de trabalho, de instituições internas nascidos da práxis das salas de aula ativas. Ela coloca adultos e crianças dentro de situações novas e diversificadas, que exigem de cada um, engajamento pessoal, iniciativa, ação, continuidade (HÉVELINE; ROBBES, 2000, P.15).

A premissa da pedagogia institucional se constituiu neste imperativo: a aquisição do saber com oferta de uma educação que não negue de antemão o desejo do aluno. A pedagogia institucional convoca este desejo e abre as melhores possibilidades subjetivas para a aprendizagem dos conhecimentos. Neste sentido, é crucial para esta pedagogia a constituição do conselho escolar com participação e representação dos alunos nos processos decisórios da escola. 

A pedagogia institucional foi influenciada por Celestin Freinet, em sua metodologia de classes de trabalho onde os alunos se organizavam em torno de um objetivo comum, metodologia revolucionária concebida em 1943 que influenciou gerações de educadores.

No Brasil, não se estruturou um ensino estritamente dentro desta metodologia institucional, mas, podemos dizer que o discurso de critica institucional, impulsionou a formação de um modelo inclusivo a partir da década de oitenta, resultando posteriormente, no plano internacional, na conferencia de Salamanca em 1994 (um marco do discurso inclusivo); na resolução da ONU de 1991 também sobre a inclusão; e na conferencia mundial da educação inclusiva, realizada na Tailândia em 1990.

Debate sobre a medicalização na pedagogia

Até a década de oitenta, foi hegemônico, o modelo medico de integração em relação a crianças que possuíam algum déficit cognitivo ou dificuldade de aprendizagem. A premissa básica deste modelo era pautada na adaptação, ou seja, para a criança diagnosticada com algum tipo de distúrbio ela deveria passar por um circuito clínico realizados em espaços destinados a reabilitação, para serem integradas ao sistema regular de ensino. Neste sentido, o processo de integração dificilmente era concluído, e a criança ficava passando por vários diagnósticos em uma rede infindável de reabilitação. O que mais se criou neste modelo foram entidades nosológicas sobre supostas doenças.

Para Maria Aparecida a. Moysés, professora de ciência médica da Faculdade Estadual de Campinas, “existe um grande mito que se ramifica e se dissemina em várias direções: a crença de que questões de saúde são responsáveis, pelo menos em parte, pelo fracasso escolar” (MOYSÈS 1985). Este mito gera por consequência a medicalização da educação, do espaço pedagógico e do próprio ambiente escolar. Neste sentido, este quadro de medicalização é construído a fim de justificar o mau rendimento escolar. 

Desconsiderando os índices alarmantes de reprovação que se deu até a década de oitenta, não se levou em conta as causas determinantes de todo fracasso escolar – inserção social de família, ou seja, o auto índice de camadas sociais sem quase nenhum acesso a políticas públicas.

Individualismo e coletividade

A critica institucional que vai se constituindo, a partir da década de oitenta, apresenta um novo discurso, a respeito das dificuldades de aprendizagens, cobrando mudanças estruturais nas instituições de ensino e nos referenciais nacionais de propostas pedagógicas.  Neste sentido, surgem os temas transversais inseridos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que se referem a um conjunto de temáticas sociais, presentes na vida cotidiana: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual.

A cidadania é colocada em foco, apontando preferencialmente para a formação de um ambiente plural e coletivo na escola, em contraposição com o antigo modelo de integração, onde visava salas uniformes e homogêneas. 

A justificativa do Ministério de Educação e Cultura (MEC), para a inserção dos temas transversais na escola é pautada na cidadania e representatividade social, quando afere que:

“Eleger a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar implica colocar-se explicitamente contra valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios, comprometendo-se com as perspectivas e decisões que os favoreçam. Isso refere-se a valores, mas também a conhecimentos que permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva”. (BRASIL, 1997. p25).

Conclusão

Com a redemocratização, se vislumbrou, no cenário educacional, um problema na qual sua demanda será cobrada durante o século XXI, A falta de análise institucional.

 Este problema é resultante da falta de crítica e da isenção de responsabilidades atribuída às instituições de ensino, até o final do século XX. Ao se centrar na criança, professores e pais, a busca de causas e supostas soluções para o fracasso escolar, esconde-se as verdadeiras causas sociais. Este quadro, consubstanciado na práxis escolar excludente e uniformizadora, provoca uma grande evasão escolar.

Segundo Maria Helena Patto (1999), “a reprovação e a evasão na escola pública de primeiro grau continuam a assumir proporções inaceitáveis em plena década de oitenta. Este problema revela-se tanto mais grave quanto mais a análise dos números referentes às décadas passadas indica sua antiguidade e persistência: estatísticas publicadas na década de trinta já revelavam não só altos índices de evasão e reprovação, mas também o então primeiro ano do curso primário como um ponto de estrangulamento do sistema educacional brasileiro” (PATTO 1999).

BIBLIOGRAFIA 

BRASIL Secretaria da Educação Fundamental. ( 1998) Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF.

____________ (1997) Parãmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais, ética (vol.8). Brasília: MEC/SEF.

Cadernos CEDES. São Paulo, n.15, dez. 1985.

Fernando Cézar Bezerra de AndradeI,II1; Katherinne Rozy V. GonzagaIII2  Estud. psicanal.  no.34 Belo Horizonte dez. 2010HÉVELINE, E.; ROBBES, B. Questions d´École: Démarrer une classe em pédagogie institutionnelle. Paris: HATIER, 2000.    

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

1 Comment

  1. Diante da situação socioeconômica, o déficit escolar tem sim um diferencial na vida do indivíduo, em sua aprendizagem ,em seu crescimento intelectual. É claro e notável que o problema da aprendizagem está relacionado com o ambiente sociocultural. Existe um conjunto de ideias que mostra que a aprendizagem não evolui, mais existe reais realidades, confirmadas na maioria que é a socioeconômica, pois as crianças vão a escola sem se alimentar e o cérebro não tem como se desenvolver. Claro que existe outras ideias ,como o texto confirma, mais a vida socioeconômica é a que predomina. Temos os PCNS que valoriza a ideia sobre a dificuldade da aprendizagem, no que chama a atenção a ética, pluralidade, meio ambiente, saúde e orientação sexual. Contudo , a evasão escolar no primeiro grau acontece por diversos fatores, porém a socioeconômica prevalece na maioria dos casos.

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