Ética e o Cotidiano Escolar

Este artigo se centraliza no conceito de ética e sua práxis no âmbito escolar, aponta para as reformulações no cenário pedagógico que foram demandadas por uma sociedade mais participativa que se constitui no final do Século XX.

O final do século XX no Brasil é marcado pela redemocratização após a ditadura militar, este cenário vai influenciar as práticas educacionais principalmente no que diz respeito a suas justificativas e objetivos.  No sentido que, Justificativa e objetivo são categorias referidas pela ética quando vislumbramos o valor (o para que), determinando a relevância de determinada ação educacional e o sentido (o para onde), que determina o conjunto de objetivos prospectados nos referenciais educacionais. 

Na perspectiva ética, atribuída a qualquer prática social ou profissional, ela pode ser “compreendida inicialmente como aquilo que vetoriza determinada ação, ao lhe ofertar uma origem e uma destinação específica” (AQUINO, 2000, p.14).

Introdução

Na trajetória deste texto veremos como podemos definir ética de uma maneira geral e dentro das ações educacionais passando por alguns autores. No intuito de entender, as modificações e reformulações que ocorreram na escola, descritas em documentos de referencia, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Secundando este tema, passaremos por várias situações que nos cobram posicionamentos éticos no contexto educacional, objetivando a discussão e a solução de problemas decorrentes do cotidiano escolar. 

Neste sentido, a partir do desenrolar do conceito de ética veremos o subtema da autoridade e autonomia, onde se deposita regras éticas de convivência que precisam ser legitimadas e subjetivadas pelos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem.

O conceito de ética   

 Algumas Definições:

– “Ciência que toma por objeto imediato os juízos de apreciação sobre os atos qualificados de bons ou maus”. (Lalande, s/d, p. 412)

– “Conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão; deontologia” (Michaelis, 1998, p. 908).

Tanto na primeira definição mais geral, como na segunda mais específica ao exercício profissional, existe uma relação descrita nas palavras, ato e exercício: Nesta relação podemos unificar a definição de ética partindo da ação de exercer ou operar para um determinado objetivo a serviço de algo. Neste sentido a responsabilidade sobre determinada ação ou exercício é julgada pela ética.

  Neste sentido, começaremos a compreender a ética em conjunto com a responsabilidade, em uma análise geral sobre a sociedade contemporânea para isso vamos lembrar as categorias inseridas em seu conceito – valor e sentido – para nos inteirarmos de três dimensões do mundo globalizado, apontados por Milton Santos (2004): Momento fantasioso ou fabuloso gerido por mistificações; o momento real e drástico; e o vislumbre do que precisaria ser mudado na prática da ética e responsabilidade.

A formação de uma sociedade demanda uma série de elementos que a identificarão como tal. A ética é vista como um instrumento de equilíbrio desta sociedade e se relaciona com outros elementos que a constituem. A transformação da conduta de uma determinada sociedade depende da adoção de diferentes valores o que resultará em um mundo novo ou renovado.

Podemos deduzir que a ética e a responsabilidade possam ser elementos de um novo paradigma que expliquem melhor a realidade e o que é feito sobre e a partir dela. 

Existe um desgaste inquestionável no atual modelo civilizatório de globalização ou até, seguindo o pensamento de Milton Santos (2004), na perversidade deste. Haja vista a insustentabilidade ecológica e social que permeia a realidade.

  Podemos vislumbrar as bases que sustentam esta globalização perversa em seu sentido conceitual e teórico por meio da tríade elencada por Milton Santos, ou seja, O mundo como percebemos “globalização como Fábula” o mundo real “A globalização como perversidade” o mundo como possibilidade, outra globalização.

– A globalização como Fábula: A necessidade de fantasias para um mundo globalizado, segundo Milton Santos, é um instrumento da máquina ideológica. Esta faz crer, que a difusão instantânea de notícias, realmente informa as pessoas e um mercado avassalador, dito global, é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta com oferecimento de mercadorias para o consumo, quando na realidade as diferenças locais são aprofundadas. Todas estas características do mundo contemporâneo se oferecem para nós como um exercício de fabulações.

– O mundo Real: O desemprego se torna crônico, a pobreza aumenta novas enfermidades se instalam, a mortalidade infantil permanece, a educação de qualidade é cada vez mais inacessível e o consumo é cada vez mais representado como uma fonte de felicidade. O mundo contemporâneo, configurado na globalização se impõe como uma fábrica de perversidade.

– O mundo como possibilidade: O grande capital se apoia em algumas bases para construir a globalização perversa: unicidade técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta.

Para um mundo com possibilidades, estas bases precisam servir a outros objetivos, se forem postas a serviço de outros objetivos e outros fundamentos. Sociais e políticos.

Vimos nesta análise ética do mundo globalizado, feita por Milton Santos (2004), objetivos e justificativas ou valores e sentido colocados a serviço de uma globalização perversa. São categorias éticas que precisam de mudança e para isso será preciso mudar seus fundamentos: individualismos, competitividade a qualquer custo, exclusão e descarte social.

A ética no âmbito escolar

Na transferência do conceito de ética para a escola e também do olhar ético-analítico de Milton Santos para o meio educacional, podemos constatar que as teorias pedagógicas que não colocam, em seu arcabouço conceitual, o individuo histórico que situa e se constrói nas relações socioeconômicas, e, portanto deve ser enxergado em seu contexto real e coletivo e não como um ser biológico que precisa se adaptar a qualquer situação que lhe é imposta, estamos no caminho de uma ética educacional.

Neste sentido a justificativa empregada pelo ministério da educação e cultura (MEC), para a inserção dos temas transversais nas propostas dos PCNs esta no caminho desta ética analítica.

“Eleger a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar implica colocar-se explicitamente contra valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios, comprometendo-se com as perspectivas e decisões que os favoreçam. Isso refere-se a valores, mas também a conhecimento que permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva” (BRASIL, 1997, p.25)

A mudança ética se visualiza nos temas transversais oferecidos pela escola no final do século XX: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho/consumo. A noção de princípios e valores é atrelada a noção de coletividade quando se valoriza o princípio básico da ética “dignidade do ser humano”, neste sentido foram elencados no PCN, quatro eixos: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade.

Concluindo este tópico, é importante lembrar que não basta veicular conceitos e valores democráticos, será preciso a vivencia destes no convívio intra-escolar entre os atores desta práxis. Neste sentido é importante a colocação de Moura castro (1999, p.21), citado por (AQUINO 2000 p.23).

“Trata-se de abrir espaço para cultivar a preocupação ética, não plantá-la. Hoje sabemos que adicionar cursos do estilo “moral e cívica” é uma parte muito pequena da tarefa. Os alunos não aprendem civismo em aulas de civismo, mas em uma escola que pratica justiça, tolerância, equidade e generosidade. Os alunos aprendem pelo que a escola pratica, muito mais que pelos sermões em aula. Cada disciplina é uma oportunidade para discutir situações em que se requer um julgamento. O currículo de cidadania é currículo de todas as disciplinas” .

Autoridade e autonomia – conclusão

A verdadeira autoridade no binômio autoridade/autonomia se constrói com compromisso, a autoridade vazia que busca somente oprimir e submeter a uma vontade obscura é alienação. Nas palavras de Paulo Freire (1979), a alienação, ao contrário do compromisso, estimula o formalismo.

Uma ação de autoridade e não de autoritarismo, se legitima quando existe uma promessa, isto é, um embrião de liberdade e felicidade. Liberdade, no caso do professor proporcionar a emancipação por meio da apropriação do objeto do conhecimento mesmo de forma parcial, pelo aluno. Felicidade porque essa ação deve carrear certa expansão do mundo e da vida (AQUINO, 2000p. 62).  Portanto a verdadeira autoridade propõe a autonomia, prepara o conhecimento para a apropriação dos alunos, não adapta o individuo a uma norma alienante, e sim fornece a inserção no mundo deste sujeito, respeitando sua subjetividade. Neste sentido, quando falamos de autoridade que promove a autonomia, voltamos ao imperativo ético: respeitar a autonomia e dignidade.

Para concluir, podemos dizer que uma ação educacional que se constitui com estes dois elementos indispensáveis – autoridade e autonomia – se fundamenta em aspectos coletivos das relações humanas como: compromisso, contrato, acordo. Onde as partes incluídas no processo coletivo caminham juntas. Nesta perspectiva, concordamos com Julio Groppa Aquino: “Partindo do pressuposto de que toda ação institucional descreve uma parceria entre atores específicos às voltas com algo comum, pode-se afirmar que uma espécie de contrato os entrelaça, posicionando-os em relação ao seu outro complementar, bem como delimitando seus respectivo lugares e funções (AQUINO, 2000 p.60).

Levando em conta o aspecto coletivo das relações institucionais, constatamos que estas relações, só se viabilizam por meio de regras constitutivas. Deste forma, como em um jogo, estas regras irão abarcar o fundamento da ação, configurada nos objetivos, o que traz a pergunta: O que fazer

As regras recaem também no acordo coletivo, que se traduz em um método que foi acordado entre as partes, o que traz a pergunta: como fazer.

BIBLIOGRAFIA

 AQUINO, J. G. Do Cotidiano Escolar – Ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. (1998) Parãmetros Curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de janeiro: Record, 2004.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

1 Comment

Deixe um comentário