Infantil – O desenvolvimento Educação da Criança

As ciências humanas tem se dedicado, por parte de seus pesquisadores, em delinear o desenvolvimento infantil de crianças de zero a seis anos. Novas necessidades sociais relativas à família creche e pré-escola têm demandado investigações sobre o modo de ser e de se desenvolver da criança.

Introdução 

Focalizaremos neste artigo para pesquisas nas áreas da pedagogia, educação e psicologia para questões circunscritas à interação e a apropriação da língua escrita pelas crianças. Seguindo um viés que considera a criança, como sujeitos de seu próprio desenvolvimento se oferecerá neste artigo uma visão crítica sobre a educação que vê a infância somente como um período de carência não levando a sério as maneiras de agir e interagir das crianças.

Muitas vezes não oferecem para as crianças pequenas, um ambiente organizado e estruturador para que a criança seja coautora da situação pedagógica.

Veremos neste artigo as acepções de pesquisadores como Bakhtin e Vygotsky em torno da aquisição da linguagem, e esta como produto do meio social em sua dimensão ideológica. Seguindo esta trajetória estudaremos “a ideologia do cotidiano”, termo usado por Bakhtin para explicitar o domínio da palavra interior e exterior expressa por meio de nossos atos gestos ou palavras. Por ultimo desenvolveremos o conceito de experiência trazendo a visão do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) no que diz respeito ao conceito de experiência e sua relação com as narrativas orais.

A aquisição da linguagem pelas crianças – Bakhtin/Vygotsky

A complementaridade das ideias de Bakhtin e Vygotsky sobre a linguagem é a acepção de que ela é o espaço de recuperação do sujeito como ser histórico e social.

Para Bakhtin a linguagem precisa ser considerada como fenômeno sócio ideológico se quisermos analisa-la em sua devida complexidade. A sua forma de apreensão será dialogicamente no fluxo da história, desta forma, este autor constrói a sua concepção de linguagem em uma posição crítica às correntes contemporâneas da linguagem que não consideram a língua como fenômeno social (JOBIM E SOUZA 2000 p. 12).

Vygotsky, em outra abordagem sobre a linguagem, elabora uma teoria sócio psicológica da relação entre pensamento e palavra que considera a linguagem um fator decisivo na constituição das funções psicológicas superiores e na construção da subjetividade. Para este autor a passagem de respostas psicológicas primitivas a estímulos externos às funções superiores do psiquismo se da por meio da utilização de instrumentos, divisão social do trabalho e a própria necessidade de interação social. O resultado do desenvolvimento histórico-social por meio das atividades práticas é a evolução psíquica.

Tanto Bakhtin como Vygotsky elaboraram uma teoria que coloca a linguagem como ponto de partida na investigação das questões humanas e sociais se opondo aos paradigmas cientificistas de correntes positivistas.

Para compreendermos como a criança constrói a linguagem na acepção de Bakhtin, será preciso considerar a linguagem não somente como um sistema de normas abstrato e sim como uma prática viva que gera significações de conteúdo ético e ideológico. 

Este autor afirma que “na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades e mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc.”. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1981),

Portanto, o discurso verbal está atrelado a um conteúdo vivencial que reproduz juízos de valores e critérios éticos, políticos, cognitivos e afetivo. Neste sentido, o autor se afasta de concepções positivistas da linguagem que focalizam somente para normas abstratas sem levar em conta o ato da fala, que carrega uma complexidade de fatores. 

Outro ponto importante das análises de Bakhtin sobre a linguagem é a entonação da fala que relaciona a palavra com um contexto extra verbal, localizando-se na fronteira entre o verbal e o não verbal. Junto com as palavras acontecem gestos, expressões faciais, entonações e tonalidades.

A criança apreende a palavra em sua condição de signo, do meio social e a interioriza para posteriormente retorna-la por meio de processos interacionais em uma forma diferenciada, pois os contextos são também diferentes. Portanto na acepção de Bakhtin a aquisição da linguagem pela criança é mediada pelo meio social com sua multiplicidade de fatores.

Para Vygotsky o uso da linguagem se constitui na condição mais importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a consciência) da criança. Podemos dizer que para Vygotsky a função linguística aparece primeiro no âmbito social , e, mais tarde, no âmbito individual. A fala inicialmente exerce a função de comunicação entre a criança e o meio, e, nesse processo, vão se construindo as condições para que se transforme em fala interna, quando exercerá a função de organizar o pensamento. A fala interna se desenvolve mediante as trocas estruturais e funcionais derivadas da fala social (VYGOTSKY 1934/2001)

O autor aponta que por volta dos dois anos de idade se estabelece um nexo entre pensamento e fala resultando em um grande salto no desenvolvimento do sujeito. 

A partir deste ponto a criança poderá explorar a relação entre signo e significado, pois a fala passa a ter uma função simbólica, a palavra ao mesmo tempo conceitua e representa o objeto. Neste sentido, a medida que a fala evolui, o pensamento também evolui, pois novas representações e conceituações surgirão a cada ato comunicativo.

Bakhtin e a ideologia do cotidiano

Todo o contexto ideológico e cotidiano nos influencia e se expressa por meio dos nossos gestos, atos ou palavras, permitindo que os sistemas ideológicos constituídos (moral, arte, religião, política, ciência…) cristalizem-se a partir dele.

 Bakhtin utilizou o termo “ideologia do cotidiano”, para definir a relação dialética de uma sociedade em seu cotidiano com os sistemas ideológicos constituídos. A partir desta relação, cada ato comunicativo carregará aspectos deste sistema ideológico, fazendo que na fala de cada um, identifiquemos, por vezes, preconceitos raciais e de extratos sociais advindos de um sistema que possui em sua base segregações deste tipo.

Em um trabalho pedagógico, que abarque a produção de texto por meio da análise da fala das crianças em atitudes vivenciais e cotidianas, é importante investigar as origens de suas noções sobre um determinado assunto e fazer vir à tona o campo ideológico a que elas estão sujeitas, quando, por exemplo, elas reproduzem em suas falas a descriminação social, o individualismo e a competição.

E importante observar que algumas vezes as crianças constroem opiniões sobre seus colegas advindas de conceitos estigmatizados que são criados pelo discurso dominante. Quando se propõe atividades que vão de encontro com a criação de textos, de narrativas orais podemos vislumbrar o quanto o sistema ideológico constituído pelos discursos dominantes estão presentes na linguagem. Neste caso, é o papel do professor desmistificar algumas premissas etnocêntricas e moralistas por traz de algumas falas.

Experiências e narrativas orais

O conceito de experiência e sua relação com as narrativas orais, trazido pelo filósofo alemão Walter Benjamin foi construído sob uma visão critica em relação às novas formas de sociabilidade criada pelas relações modernas atreladas ao modo de produção capitalista.

 A experiencia na modernidade se atrofiou, na visão deste autor, a experiencia comum, compartilhada pelos vários membros de uma sociedade, calcada na memória e que garantiria a existência de uma experiencia coletiva e de uma história dos homens, está em lena crise no mundo capitalista moderno (SAWAYA,p.32).

O conceito de experiencia em Walter Benjamin surge em 1913, quando tinha 21 anos primeiramente como crítica a posicionamentos fatalistas como sinônimo de mascara do adulto, em que frente ao espírito de procura dos jovens, mostra-se fechado a qualquer impulso para a pesquisa e reflexão. Benjamin mostra-nos o sentido da experiencia que possui conteúdo reflexivo em contraste com a alegação fatalista de que qualquer busca realizada em direção a um posicionamento crítico ao já experimentado está fadada ao erro. Para tal posicionamento o autor faz coro com Espinosa, onde, para o pesquisador o erro é apenas um novo alento (BENJAMIN, 2002 p.23).

Já em 1933, em “Experiência e Pobreza” denuncia o caráter medíocre da experiência na modernidade. No sentido que a sociedade desta época advinda da revolução industrial e dos processos decorrentes da divisão de classe e da alienação empobrece a experiência oral veiculada por meio de histórias e provérbios populares. A sua narrativa está expressa nas seguintes questões: que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência? (BENJAMIN, 1987 P114-119).

 Podemos vislumbrar de maneira sintética que acrítica de Walter Benjamin se direciona para a atrofia da experiência, provocada pelas novas formas de sociabilidade criadas na modernidade. Com a atrofia da experiência, é a identidade de cada um que entra em crise, é a constituição de cada um como sujeito que se torna problemática, surgindo assim o terreno fértil para a alienação a que está sujeito o homem contemporâneo (SAWAYA, 2000p. 33).

Traduzindo esta atrofia para o mundo infantil e um mundo periférico representado em extratos socialmente pobres, veremos por meio de relatos e histórias, mostradas pela pesquisadora Sandra Maria Sawaya, que esta atrofia se revela na experiência da precariedade de vivencias, da provisoriedade dos objetos, a ameaça do estigma, do preconceito e a ideia de fracasso reunindo todos em uma “comunidade de destino” (IDEM, p.46).

A pesquisa de Sawaya feita sobre histórias contadas por crianças residentes em um bairro periférico de São Paulo, nos aponta que por meio de falas fragmentadas que estas crianças tentam reconstruir um diálogo entre vários mundos –  o mundo rural dos antepassados, o mundo da pobreza urbana e o mundo da modernidade. 

Conclusão

Este artigo teve o intuito de mostrar como se processa a formação da linguagem em crianças de zero a seis anos de idade. Vimos que a formação da linguagem não se dá por processos neutros, ou seja, separados do meio social, como afirmam algumas concepções positivistas. As concepções sobre a linguagem de Bakhtin e Vygotsky, e as concepções sobre experiência e narrativa de Walter Benjamin, nos ajudam a termos um posicionamento em relação a construção da linguagem pela criança.

BIBLIOGRAFIA 

BENJAMIN W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo, editora 34, 2002.

OLIVEIRA, Z. M. R.  A Criança e seu desenvolvimento – perspectiva para se discutir a educação infantil, São Paulo, Cortez, 2000.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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