A centralização e instrumentalização da escola

Veremos neste texto a centralização da escola por vários campos epistêmicos que transpassam o discurso educativo como: Pedagogia, filosofia, sociologia, psicologia, biologia medicina e seus seguimentos. Estes saberes se situam nas intensões ideológicas e prospectivas que estão no fundamento da origem dos sistemas nacionais de ensino.

Além do estudo sobre as epistemologias presentes na educação veremos como a escola é concebida como instrumento ideológico, e na maior parte do mundo e da história, ela é concebida sob um ideário advindo do sistema capitalista de produção.  Para estes objetivos, focalizaremos para o século XIX e XX.

Introdução 

Para termos uma ideia histórica do papel da escola na sociedade ocidental, e também na realidade brasileira, faremos um percurso histórico panorâmico, dentro dos limites deste texto.  O conhecimento do papel da escola atual cobra um procedimento em duas perspectivas, a perspectiva histórica no âmbito do século XIX e XX, com ramificações para o século XVIII no curto período pós- revolução francesa. Cobra também, a perspectiva filosófica, científica e ideológica, inserida no contexto escolar até nossos dias. 

Para organizar esta trajetória começaremos pela origem dos sistemas nacionais de ensino no seguimento do ideário do liberalismo clássico pós-revolução francesa passando para o cientificismo do século XIX e suas teorias racistas que vigoraram até as primeiras décadas do século XX, chegando à psicologia diferencial e no auge do pensamento da escola nova.

A escola no despertar do nacionalismo no liberalismo clássico

O liberalismo clássico se constituiu na ideologia política da burguesia, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada após a revolução francesa, foi, segundo Hobsbawn “um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios dos nobres” HOBSBAWN 1979). 

Segundo este autor, esta declaração não foi um libelo a favor de uma sociedade igualitária e democrática porque prevê a existência de distinções sociais e tem a propriedade privada como um direito comum e inalienável.

Um dos fundamentos deste ideário burguês que mais se inseriu no discurso escolar é a preconização da igualdade dos homens, frente à lei de oportunidades de sucesso educacional e profissional plasmado no conceito de meritocracia. Neste sentido, os indivíduos de uma sociedade são colocados em uma competição social em começam no mesmo ponto de largada, mas eles não terminam juntos, vão coexistir nesta sociedade do mérito, os vencedores e os perdedores. 

Nesta lógica, obviamente e tragicamente, os perdedores são os indivíduos provenientes das classes mais pobres e que posteriormente vão se configurar também em um mapeamento racial, os perdedores sendo os provenientes de raças negras e pardas. 

A origem da escola e do ensino nos leva bem antes da constituição das nações europeias, a noção de ensino e escola já se constituíam na Grécia e no oriente, mas a política educacional, em seu sentido estrito, como nos aponta Maria Helena Patto (1999, p.41) tem inicio no século XIX. 

Para entendermos este sentido de política educacional, esta autora nos indica a conceituação de Zanotti (1972), onde política educacional é a “ação sistemática e permanente do Estado, dirigida à orientação, supervisão e provisão do sistema educativo escolar”. 

A partir do século XIX como marco histórico, percebemos como a escola, organizada em sistemas nacionais de ensino, é instrumentalizada dentro da ótica do liberalismo clássico.

Os sistemas nacionais de ensino têm como pano de fundo, o nacionalismo, em que a burguesia acreditava ser porta-voz dos interesses do povo, tomados como sinônimo de nação.

Luis Jorge Zanotti (1972) divide a política educacional do mundo ocidental, em três etapas: 

– de 1870 até 1914 atribui à escola a missão de redimir a humanidade a partir do ideário nacionalista

– de 1918 a 1936 Surge a escola nova. Descontente com o efeito do exacerbado nacionalismo na primeira guerra mundial os pedagogos preconizam a revisão dos princípios e práticas educacionais, a fim de fazer da escola uma instituição a serviço da paz e democracia. Nesta nova ótica escolar entram os princípios da psicologia no discurso escolar.

– Terceira etapa: sociedade e meios de comunicação em massa

Cientificismo do século XIX

O cientificismo do século XIX relacionado com as capacidades individuais cognitivas será pautado em teorias de teor racista, sobre as diferenças humanas. Segundo Helena Patto, “A divulgação mais intensa das ideias racistas dá-se a partir dos primeiros anos do século XIX e seu prestígio atinge o ponto mais alto aproximadamente entre 1860 e a década de 1930” (PATTO, 1999, p. 1). As doutrinas antropológicas formuladas por fisiólogos desempenharam um papel no pensamento das novas elites, para explicar as desigualdades sociais por meio de teses que inferiorizavam as raças de povos não europeus. 

Pierre-Jean-Gorges Cabanis é considerado o mais fluente destes ideólogos, este filósofo e fisiologista francês conhecido por Rapports Du Physique Et Du Moral de I’homme ( 1802; “ Relações do Físico e Moral do Homem), explicava toda a realidade, incluindo os aspectos psíquicos, mentais e morais do homem, em termos de um materialismo mecanicista. 

Este autor também defendia teses poligenistas, que explicava a origem da espécie humana em uma acepção múltipla, ou seja, que existem raças diferenciadas em seus níveis de inteligência, concluindo sobre a superioridade de algumas raças em ralação a outras. 

Duas características marcantes da época de ouro das teorias racistas são o cientificismo ingênuo e o racismo militante. Datam desta época as tentativas de comprovação empírica das teses da inferioridade racial de pobres e não brancos. Segundo Hobsbawm “em torno de 1830, a partir de um sentimento de superioridade declarado, os integrantes da burguesia manifestavam um profundo desprezo pelos “bárbaros” – rótulo que aplicavam não só aos nativos dos países de terceiro mundo como também a populações rurais e , por extensão, aos trabalhadores urbanos pobres do próprio país” (HOBSBAWM, 1982, p.219).

Psicologia diferencial e escola nova

Na psicologia diferencial que influenciou a pedagogia do século XX, principalmente no que diz respeito a pesquisas quantitativas de mensuração de capacidades individuais, se destaca o nome de Francis Galton. O objetivo principal deste pesquisador era medir a capacidade intelectual e comprovar a sua determinação hereditária. O grande problema desta tese é o fato dela ter resultado na Eugenia, ciência que embasou as teorias nazistas de superioridade da raça ariana. 

A influencia de Galton sobre a escola nova e de sua psicologia diferencial reside na utilização de testes psicométricos para estudar as diferenças entre os indivíduos. A diferença fundamental entre Galton e os Escolanovistas, reside em que estes últimos se apegavam à crença na possibilidade de identificar e promover socialmente os mais aptos, independentemente de sua etnia e origem social. Neste sentido, nos ideários da escola nova, está o sonho de uma psicometria e uma pedagogia a serviço de uma sociedade (de classes) igualitária (PATTO, 1999).

A expansão dos sistemas nacionais de ensino, como consequência do aumento de demanda social nos países industrializados, deu origem a dois problemas para as escolas e educadores: A necessidade de explicar a diferença de rendimento escolar, entre os alunos; e a justificação do acesso desigual a graus escolares mais elevados do ensino.

Tanto para a diferença de acesso á uma continuidade de ensino alçando graus mais altos de escolaridade, como para a diferença de aptidões intelectuais, buscou-se explicação na ciência que se dividia entre psicologia, biologia e medicina. Esta cientificidade foi fundamentada basicamente, em testes de mensuração da inteligência. Os primeiros especialistas que se dedicaram a apurar as causas das dificuldades de aprendizagem foram os médicos.

Por meio de abordagens médicas advindas da psiquiatria, neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria, construiu-se laboratórios destinados ao estudo das diferenças intelectuais: as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar, foram designadas como anormais escolares e procurou-se as causas de anormalidades em algumas deficiências orgânicas.

Alfred Binet e Edouard Claparède se dedicaram a mensurações e análises destas crianças em laboratórios de psicologia muitas vezes anexos a estabelecimentos de ensino. 

Todo este desenvolvimento da ciência em torno do ensino teve um desfecho social no sentido de mensurações de aptidões, de orientação e de seleção profissional. Seguindo os ditames da sociologia funcionalista, influenciada pelas concepções de Durkheim, a sociedade deveria ser igualitária, mas com divisões de funções e papeis.

Através da especificidade de seu trabalho, propõe-se a destinar os mais aptos, e não necessariamente os mais ricos, aos níveis mais altos da pirâmide social. Aqui, voltamos ao principal conceito inserido na escola desde o advento da burguesia, A meritocracia.

Aparentemente, em uma sociedade com grande crescimento populacional, pode parecer justo que os mais aptos, por mérito, alcance o topo da pirâmide social, só que a história provou a impossibilidade deste acontecimento. Neste sentido, Helena Patto nos mostra que “a história tem mostrado impossível: o sonho de justiça numa ordem social estruturalmente injusta” (PATTO, 1999, p.6).

Conclusão

Para concluir, esta pequena análise histórica e epistemológica da escola é importante atentar para dois discursos que transpassam o âmbito do ensino. O discurso de defesa de uma ideologia burguesa advinda dos meios capitalista de produção, que vê na escola um meio de mostrar e provar, que a ideologia capitalista é justa porque oferece meios para o individuo ter mobilidade social. Ele conseguirá esta mobilidade por meio de seu mérito individual, configurado em suas aptidões cognitivas. 

A critica que se faz a este primeiro discurso, é que na corrida para atingir pontos mais altos na pirâmide social, os indivíduos partem do mesmo ponto, mais com veículos deferentes, uns partem, mais aparelhados e outros menos, por virem de classes sociais diversas.

O segundo discurso, reside no discurso científico que veio para provar cientificamente que os indivíduos não são iguais em suas aptidões, portanto, é destinado aos mais aptos os melhores lugares sociais.

Neste sentido, colocamos um olhar crítico, na construção do ideário científico de aptidão, que supõe crianças que possuem velocidade no raciocínio lógico, desenvoltura linguística e informação cultural. Todo aparato que inclui lógica, língua e cultura foi e é mais bem desenvolvido em famílias que possuem melhores condições econômicas, neste sentido todas as deficiências e inaptidões em relação ao ensino, irão recair nas classes mais desfavorecidas.

BIBLIOGRAFIA

HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.

PATTO, M. H S. A Produção do Fracasso Escolar – História de Submissão e rebeldia, São Paulo, Casa do Psicólogo, 1999

ZANOTTI, L. J. Etapas Históricas de La Política Educativa, Buenos Aires, Eudeba, 1972. 

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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