Cultura e educação na formação da subjetividade – psicanalise e educação

O novo paradigma da inclusão mostra a necessidade de o trabalho ser conduzido levando em conta a heterogeneidade existente na sala de aula. Portanto, o educador que queira atuar nesse modelo, deverá aprender a conviver e a trabalhar com a heterogeneidade, tanto no âmbito curricular quanto no extracurricular. A arte, no seu aspecto sociocultural, propicia o desenvolvimento de vínculos interpessoais e intrapessoais, e é capaz de abrigar a heterogeneidade existente na classe escolar, pois é um conhecimento que pode ser trabalhado de forma não linear, não exigindo dos alunos, no caso das oficinas, um desenvolvimento homogêneo, organizado em etapas.

Quando falamos de arte e cultura na escola, não estamos cobrando dos professores, especialistas em várias disciplinas, uma formação artística profissional ou acadêmica e sim uma busca de informações culturais e artísticas que possam coligar com suas disciplinas.

Introdução

Veremos neste texto um conteúdo com aportes educacionais, artísticos e psicanalíticos para compreender como se processa a subjetividade e apreensões da realidade pelo individuo e como podemos transferir este conhecimento para o contexto escolar. Nesta trajetória veremos também a importância da arte e de contextos culturais para este processo de apreensão da realidade, e teremos uma ideia da importância da cultura e educação na construção da subjetividade. Focalizaremos neste artigo, para dois cenários escolares: a salas de aula que estão em situação de inclusão e salas de aula que não estão nesta situação. A inclusão abordada neste texto, é relacionada aos alunos que possuem transtornos psíquicos e emocionais.

Modos de apreensão da realidade e seu reflexo na educação – abordagem psicanalítica

Para Lacan, existem três registros essenciais da realidade humana, o simbólico, o imaginário e o real.

A dimensão do real é tudo que fica fora da simbolização e que pertence a realidade fenomenal impossível de ser simbolizado, o que está fora dos designíos da palavra. Neste sentido, esta dimensão é inapreensível pela linguagem em seu conjunto de significados e conceitos, mas o analista pode acessa-la por meio da forma discursiva da fala, ou seja, ouvindo o que está por traz dos significados.

Para entender melhor como é constituída no ser humano, a dimensão imaginária e simbólica será preciso termos ideia da descrição de Henri Wallon sobre a tomada de consciência, por parte da criança, sobre seu corpo e sua imagem.

Este filósofo, médico e psicólogo francês, descreveu como as crianças vão aos poucos, diferenciando seu corpo, das imagens do espelho. Para wallon, isto ocorre devido a compreensão simbólica, pela criança, em relação ao espaço imaginário em que constitui a sua unidade corporal. 

Neste sentido, “a prova do espelho”, como é denominada por Wallon, é a passagem do especular – quando a criança apenas visualiza sua imagem no espelho – para o imaginário, quando ascende a um nível consciente e mental. Posteriormente, ela faz a transição do imaginário para o simbólico, quando percebe que o reflexo no espelho é uma imagem de seu corpo, este fenômeno ocorre entre os seis e oito meses de vida. Antes deste processo a criança vivencia ainda um corpo não unificado, fragmentado e não independente da mãe, nem imaginado e nem simbolizado, estando mais ao nível da dimensão real. 

O discurso psicanalítico, em relação à criança portadora de distúrbios global de desenvolvimento (autismo e psicose infantil) irá apontar como causa deste déficit social, falhas inerentes a este processo de apreensão da realidade imaginária e simbólica indicado por wallon e posteriormente por Lacan, que irá denominar este processo de estágio do espelho.

 Para entender melhor como estes conceitos psicanalíticos podem influir na educação, focaremos para os dois últimos modos de apreensão da realidade pelo sujeito: o simbólico e o imaginário. Vale lembrar, que a dimensão imaginária da realidade é relacionada a uma imagem ideal e unificada de nós mesmos, e tudo que conquistamos no âmbito profissional, afetivo e social é da ordem do imaginário. Já a dimensão simbólica está relacionada com as leis sociais, em seu sentido geral, as trocas sociais que se reflete também na nossa comunicação e interação com os outros.

 Em relação à questão da inclusão dentro dessa perspectiva psicanalítica, a participação da criança portadora de autismo e psicose infantil no grupo social representado pela escola, ou em atividades em grupo, é terapêutica, pois, ao se dar à criança um lugar na escola ou no grupo, está sendo feita uma “atribuição imaginária de lugar social” (in, KUFFER, 1997, p.56), ou seja, um ganho e conquista para esta criança. A inclusão desta criança em um meio social como a escola, onde existem leis e regras socializadas, também, desenvolve a dimensão simbólica, pois são regras relacionadas à comunicação e interação social.

Educação, arte e subjetividade.

Dentro do contexto da inclusão e mesmo em salas de aula que não estão nesta situação inclusiva, a educação é um ato que contribui com a subjetividade, permitindo que o sujeito circule socialmente como semelhante e participe, assim, das ações de uma dada comunidade ou grupo. Além do contexto educativo, o trabalho com as linguagens artísticas oferece um efeito estrutural e construtivo em relação às diferentes subjetividades presentes em uma sala de aula.

Acredita-se que o ato educativo é cultural e integrador. No entanto e apesar desse efeito estrutural das linguagens artísticas, cabe esclarecer que o professor de uma classe inclusiva ou de uma oficina de arte não está, de maneira alguma, na condição de terapeuta; sua atuação é estritamente educativa, embora, para estas crianças, pelos efeitos obtidos, torne-se terapêutica. 

Considerando os procedimentos realizados em uma atividade artística, como processo educativo, duas questões de caráter interdisciplinar se levantam. A primeira questão consiste em descobrir o quanto um processo educativo de abordagem artística, pode contribuir para o desenvolvimento das subjetividades em escolas regulares, em situações inclusivas ou não. 

A segunda é saber o que a Psicanálise pede à Educação (KUPFER, 1997), neste paradigma de inclusão social. O caráter interdisciplinar da primeira questão reside na busca por maior eficácia na inclusão, em que se constrói uma rede interdisciplinar com várias áreas do saber, como: Educação, Arte-Educação, Psicologia, Psicanálise e Saúde. 

Na questão seguinte, está evidente a relação entre Psicanálise e Educação, mas, ao mesmo tempo, é preciso considerar que esta, com seus pontos divergentes e convergentes é bastante complexa. Para poder estabelecer um caminho no interior desta complexidade, buscou-se na educadora e psicanalista francesa Maud Mannoni (1988, 1989), respostas para as questões aqui colocadas, tentando achar um ponto de equilíbrio entre as mencionadas divergências e convergências na relação Psicanálise e Educação.

Esta autora viu na educação um forte coadjuvante para o desenvolvimento subjetivo de jovens e crianças portadores de distúrbios graves. Em sua acepção, a ação educativa que proporciona tal desenvolvimento é aquela que procura entender estes jovens e crianças como sujeitos dotados de desejos próprios, não os considerando somente como um objeto que demanda cuidados especiais (1989, p. 72). 

O conjunto de práticas que colaboram com a Psicanálise para que a atividade educativa tenha uma relação de extensão terapêutica tem como referencial o trabalho desenvolvido na Escola Experimental de Bonneuil, na França, fundada por Maud Mannoni em 1969. Precursora em sua prática de relacionar conhecimentos advindos da educação e da Psicanálise, e tendo por meta promover a inclusão social de crianças portadoras de 47 distúrbios graves na infância, Mannoni afirma que uma criança psicótica (mas isso, também, vale pra qualquer criança) tem necessidade, primeiro e acima de tudo, de viver num lugar onde seja possível o acesso à fantasia e à criação. 

Para ela, uma escola ou um espaço que se propõe a educar, só ganha um sentido verdadeiramente educativo para seus alunos, quando a criança é tomada numa rede simbólica, em um lugar que dê espaço à tradição oral, em que ela tenha liberdade para descobrir o prazer de ter mãos que criam (1989, p.72). 

Neste sentido, esta autora coloca em primeiro plano o ato criativo, o qual pode ser trabalhado em quaisquer disciplinas. 

Conclusão

Vimos neste artigo como conceitos da área de pedagogia e da psicanalise, convergem para o objetivo inclusivo e de construção e expressão das subjetividades presentes em uma sala de aula. Esta sala pode estar em uma situação inclusiva – quando ocorre a inclusão de crianças e jovens com diferenças estruturais em suas subjetividades – ou não quando apenas temos que lidar com as diferenças inerentes a condição social e humana. 

Nestes dois casos e perfis de salas de aula, é importante termos um olhar acolhedor que contribua para o ensino em salas de aula heterogêneas e tirarmos conclusões que vão ao sentido de perceber que a sociedade é heterogênea sob todos os aspectos. O contexto educativo que cobra cada vez mais um trabalho em direção aos métodos ativos que valorizem a autonomia dos alunos precisa ser construído visando o acolhimento das diferenças, se não, continua sendo um espaço de educação tradicional em que a verdadeira autonomia dos alunos não esta sendo vista e nem levada em consideração.

Neste sentido, todo procedimento educacional e artístico que se utiliza para uma sala inclusiva, serve para qualquer sala de aula, pois as novidades educacionais que estão sendo revistas e adaptadas a era digital tem que estar instrumentalizadas com concepções inclusivas e heterogêneas da realidade social.

BIBLIOGRAFIA

KUPFER, M. C. Apresentação da Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. Estilos da Clínica, ano I, n.01, p.9-17, 2º sem.1996.

 KUPFER, M. C. Educação Terapêutica: O que a Psicanálise Deve Pedir a Educação. Estilos da Clínica, ano II, n.2, p.53-60, 1º sem. 1997.

MANNONI, M. Um saber Que Não Se Sabe – A Experiência Analítica. Campinas: Papirus, 1989.

 __________ A Criança Retardada e a Mãe. São Paulo: Martins Fontes, 1995. __________ Educação Impossível. Rio de Janeiro: F.Alves, 1988.

 __________ Bonneuil: Psicanálise e Saúde Mental – Entrevista com Maud Mannoni  


Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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