Cultura digital e interdisciplinaridade

Este artigo estabelece alguns pontos de contato entre duas transformações que ocorreram no âmbito educacional: a interdisciplinaridade e a cultura digital. No estabelecimento de relações entre a interdisciplinaridade e a cultura digital, busca elucidar os aspectos destas transformações, concernentes com a variedade de ferramentas tecnológicas de informação e comunicação que estão disponíveis para todos os envolvidos no processo de ensino/aprendizagem. 

Introdução

As transformações que acontecem no ambiente educacional são geradoras de oportunidades e problemas. Estas duas características – oportunidade/problema – estão presentes em qualquer mudança epistemológica e metodológica e não são excludentes em sua aparente polarização, oferecem pelo contrario, uma fértil complementaridade. Podemos dizer que oportunidade e problema andam juntos, pois se não problematizarmos as oportunidades oriundas de mudanças de vieses tecnológicos, filosóficos e ideológicos estamos fadados a problemas futuros de inadequações.

Veremos neste artigo as relações entre interdisciplinaridade e cultura digital que promovem uma gama de oportunidades educacionais. Para delinear as causas e fatores que promoveram estas mudanças é importante percorrer um caminho crítico problematizando a ação didática no que tange a demandas sociais e culturais.      

Cultura digital/ BNCC e interdisciplinaridade 

A cultura digital que atravessa quase todas as atividades do mundo atual está centrada na tecnologia digital de informação e comunicação (TDIC). Esta tecnologia gira em torno de sistema de busca que integra documentos, imagens e hipertextos que estão distribuídos em páginas e hiperlinks. Deste sistema flui um grande e imensurável número de informação que está disponível para qualquer pesquisa pessoal ou acadêmica. Diante disso, o que se deve problematizar é a separação entre conhecimento científico e o senso comum. O material disponível nas páginas da web não possui  filtragem, concepções que passaram por métodos científicos estão misturadas com opiniões e “achismos” provenientes do senso comum. Neste sentido, cabe a instituição escolar e aos professores a transformação da informação em conhecimento no trabalho de mediação e monitoramento.  

Para abordar as diferenças entre informação e conhecimento é importante distinguir conceito de senso comum e conceito científico. 

Os conceitos científicos são conhecimentos à medida que são produtos de informações obtidas e elaboradas, trabalhadas segundo uma metodologia científica (PENTEADO, 187).

Os conceitos do senso comum resultam de informações obtidas por procedimentos empíricos resultado de observações e práticas de vida. Portanto o senso comum não deixa de ser conhecimento, mas provem de uma observação vivencial e localizada – fato que gera concepções falsas sobre fenômenos gerais. Neste sentido, quando concepções advindas do senso comum são aplicadas a fenômenos mais amplos, gera preconceitos e conclusões distorcidas sobre a realidade.  

Diante destes dois conceitos, os professores em seus papeis de mediadores precisam elaborar o conhecimento científico pelo processo de análise e interpretação dos dados para chegar a um saber mais amplo dos fenômenos, transformando as ideias deturpadas e distorcidas, que muitas vezes vem expressa nas conclusões dos alunos e também – de maneira falsamente oficializada – escrita em conteúdos disponíveis na internet.   

A relação da cultura digital com a base nacional comum curricular (BNCC), se da na compreensão, utilização e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética para disseminar informações, produzir conhecimento, resolver problemas dentro de um objetivo de protagonismos e autoria. 

Neste sentido a BNCC visa a valorização dos alunos pela sua ação criativa diante desta tecnologia e não uma adaptação passiva a este mundo. O comportamento passivo diante das informações digitais é o principal problema que o educador precisa enfrentar porque este comportamento, que atinge muitas crianças e jovens, leva a um olhar acrítico e falso sobre a realidade.

O desenvolvimento do pensamento crítico pela instituição escolar e os professores, recai sobre o fator ético também apontado pela BNCC: “utilizar tecnologias, mídias, dispositivos de comunicação modernos de maneira ética, sendo capaz de comparar comportamentos adequados e inadequados” (BNCC, 2017). 

Este documento do MEC também leva em conta o novo cenário mundial que traz uma necessidade de reconhecimento dos alunos no contexto histórico e cultural. Para isso a utilização das tecnologias digitais deve colaborar em fazer o aluno, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, produtivo e responsável.

A cultura digital faz com que o conhecimento mostre sua incompletude, o que nos alerta para a importância da interdisciplinaridade e no estabelecimento de circuitos entre múltiplas abordagens, permitindo desenhar trânsitos variados em um modelo interdisciplinar de conhecimento em rede.  

Ferramentas digitais em sala de aula

Blogs

É um site profissional ou pessoal que se configura como um diário em uma organização textual e de conteúdo que pode ser sempre atualizado. O educador pode criar um blog sobre um projeto didático para a construção de um conhecimento coletivo. Grupos de alunos podem criar um blog para a troca de informações e produções coletivas. Vale lembrar, que propostas que incluem a utilização de aparelhagem tecnológica, são por vezes excludentes por causa de condições econômicas. Por esse motivo sempre é melhor trabalhar de forma coletiva por gerar ajudas mútuas e socialização. 

Meme

O termo meme foi criado pelo biólogo Richard Dawkins em seu livro The Selfish Gene (o Gene egoísta, lançado em 1976) sua intensão era nomear uma unidade de informação cultural que com analogia ao gene, refere-se a uma unidade de informação genética.

Os memes na internet se expandem com uma velocidade muito rápida, fenômeno típico da internet podem se apresentar como imagens legendadas, vídeos virais ou expressões difundidas por mídias sociais. Observando esta versatilidade surgiu a questão sobre seu uso na educação.

Contribuições dos memes em sala de aula: Desperta interesse para diferentes tipos de leituras; atiça a criticidade; é envolvente pela sua ironia e comicidade.

Vídeo-minuto

Vídeo curto que pode ser utilizado para trabalhar conceitos diversos por meio da criatividade, humor, sintetização.

No corpo Do texto do BNCC (2017, p.83), o vídeo-minuto é citado como forma de expressão tanto das culturas juvenis quanto possibilidades de forma de expressão na atuação na vida pública. A característica curta do vídeo é mais assimilável para o público juvenil e instiga os alunos a exercitarem suas habilidades de sintetização

Novas situações – novos modelos de promoção da aprendizagem

As situações novas no âmbito social, comportamental e cultural geradas por fatores indentitários, políticos, ambientais e sanitários causam muitas demandas. Podemos dar o adjetivo de novo a esta situação da contemporaneidade, mas não podemos dizer que elas surgiram de repente, do nada. Estas demandas sempre estiveram presentes na sociedade com suas minorias representativas, nas opiniões e concepções minoritárias e revolucionárias, nas petições por legitimação e oficialidade de assuntos que sempre tiveram fora de pautas políticas e acadêmicas. Quando ocorre uma catástrofe sanitária e ambiental – COVID19 –  talvez por conta de comportamentos humanos de exploração ambiental visando cada vez mais desenvolvimento e lucro, pensamos em novas propostas de vida de valorizações e por fim colocamos todas aquelas demandas que nunca foram atendidas, em pauta. 

Os novos modelos educacionais que estamos promovendo com todas estas novas demandas, juntamente com o aporte tecnológico, cobrado hoje por conta do isolamento social, não são realmente novos. Por exemplo: 

 – Métodos ativos. São da década de 1940, pertencente ao ideário de Escola Nova.

– Utilização de mídias eletrônicas na educação: são dos anos de 1980 – Mariazinha Fusari, Heloisa Dupas Penteado e Ismar de Oliveira Soares já pontuavam estas questões.

– Autonomia dos alunos – transfigurado no conceito de “sala invertida”: Um método que aponta para a construção do conhecimento e conteúdo visando e somando-se com a vivencia intelectual dos alunos. Pressuposto construído na década de 1970 com a pedagogia crítico-social dos conteúdos, tendo como seu maior representante, Paulo Freire.

Estes “novos modelos”, retornaram hoje com uma roupagem tecnológica, roupagem que não os tornam novos, mas urgentes e necessários. Urgentes porque eles já estavam cobrando sua aplicação verdadeira e profunda, o que nunca foi feito na práxis educacional. Necessários porque hoje ou é a utilização consciente e profunda destes modelos na educação ou é a total falta de função e lugar social das instituições educacionais.

Modelos Urgentes e necessários para concluir

Para o entendimento destes modelos de ensino é preciso dividir o processo de aprendizagem e ensino em três elementos: professor/aluno/conhecimento. A partir desta análise notamos que o ensino tradicional valorizava o controle do conhecimento depois o professor, para surgir, na base desta hierarquia, o aluno. Os novos modelos irão questionar esta ordem hierárquica para propor novas ênfases na tríade e novas abordagens em relação ao conhecimento.

Métodos ativos (1940) – Modelo da “Escola Nova” que promove a importância do aluno na tríade – professor/aluno/conhecimento – seu foco está no aluno e na importância do interesse deste pelo conhecimento. Valoriza a participação ativa e coletiva dos alunos na aquisição do conhecimento. Destaca o potencial da sociabilidade e da troca no processo de ensino/aprendizado.

Pedagogia crítico-social de conteúdo (1970) – Valoriza a construção do conhecimento, portanto é centrada no terceiro elemento da tríade citada. Segundo Libâneo (1990) “A pedagogia critico-social dos conteúdos se apresenta então como síntese superadora de traços significativos da pedagogia tradicional e da escola nova, atribuindo ao ensino o papel de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdo científico, os métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio científico, de modo a irem formando a consciência critica em face das realidades sociais e capacitando-se a assumir a sua condição de agentes ativos de transformação da sociedade e de si próprios”.

Comunicação Escolar – utilização das mídias eletrônicas na educação (1980) – Proposta pedagógica que compreende a educação como um processo de comunicação específico. Neste viés, encaminha novas práticas docentes, direcionadas para a superação dos problemas presentes no modelo pedagógico tradicional. Esta proposta enfatiza a construção do conhecimento pelo aluno e o professor valorizando as informações midiáticas. Neste sentido o aprendizado sai de construções e concepções lineares para sistemas em redes de ações pedagógicas. Esta pedagogia compreende o conhecimento como um corpo em constante construção. Desta maneira nasce uma perspectiva que valoriza todos os elementos da tríade por igual em uma relação sociopedagógica.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério da educação. Secretaria de educação básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2017

PENTEADO H. D. P. Comunicação Escolar – uma metodologia de ensino. São Paulo: Salesiana, 2002.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo, Cortez, 1991.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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