A contribuição da arte no processo de inclusão no ensino regular

Neste texto levantamos hipótese que considera as linguagens artísticas como áreas contributivas na inclusão de crianças portadoras de transtorno global de desenvolvimento (TGD), transtorno que abrange o espectro autista e a psicose infantil. A partir desta premissa conclui-se com esta hipótese que as linguagens artísticas – música, teatro, artes visuais e multimídias – atingem o ser humano em sua subjetividade.

Introdução 

A contribuição da arte como um todo no desenvolvimento subjetivo destas crianças e jovens, está relacionada com três fatores: o simbolismo presente nestas atividades culturais, a possibilidade de expressão mental e corporal existente nas propostas artísticas e a facilidade das linguagens artísticas de serem trabalhadas com salas heterogêneas

Neste sentido, veremos neste texto cinco componentes históricos e sociais que  estão inseridos no paradigma da inclusão – considerando, em alguns tópicos, também a inclusão de portadores de descapacitardes físicas  – para termos uma visão panorâmica dos fatores que envolvem este modelo inclusivo que está hoje inserido no discurso escolar. Estes fatores são: Característica do portador de transtorno global do desenvolvimento; conceito de inclusão a partir do referencial psicanalítico; Dois modelos inseridos no discurso escolar; Modos de apreensão da realidade e seus reflexos na educação; aspecto sociocultural de arte. 

Características do portador de transtorno global do desenvolvimento – Abordagem psicanalítica

O portador do Distúrbio Grave na Infância possui uma grande inibição, proveniente de uma estrutura sintomática estabelecida como defesa (BRAUER, 2003, p.171). A criança defende-se de um tipo específico de relação com a mãe, que se define como uma situação de “colagem” com esta, o que seria um dos fatores causadores das dificuldades apresentadas pelas crianças. Nesta categoria de distúrbio incluem-se portadores de autismo e psicose infantil. Estes distúrbios também seriam ocasionados por falhas na função paterna e materna, respectivamente, configurando sua origem psicodinâmica. Nessa acepção, a causa do autismo e da psicose estaria relacionada a falhas de inscrição no registro simbólico da criança, a ponto de ficar comprometida a sua constituição subjetiva, sua relação com o outro e sua circulação no campo social. Segundo esta interpretação, atribui-se aos pais a responsabilidade da eclosão dos sintomas de autismo e psicose, por estes estarem implicados na constituição psíquica da criança (GUIMARÃES P,). 

A partir desta acepção é importante salientar que existe nesta criança ou jovem uma dificuldade com os aspectos simbólicos da cultura e que é preciso desenvolver com atividades que já possuem naturalmente um aspecto simbólico muito presente, como é o caso das linguagens artísticas.

Na explicação de Gisllene Jardim (1998), psicanalista, coordenadora dos Ateliês de Arte e Ofícios da Escola Infantil Terapêutica “Lugar de Vida”, (…) entende-se melhor esta hipótese se considerarmos o fato de o bebê humano nascer completamente dependente do outro – não só quanto aos cuidados fisiológicos, mas, principalmente, no que tange à sua inserção no mundo da linguagem. Podemos reconhecer que a formação da subjetividade está completamente atrelada às vicissitudes da relação inconsciente com o outro, a maior parte das vezes, os próprios pais. (p.126)

  Conceito de inclusão a partir do referencial psicanalítico

A partir do referencial psicanalítico a inclusão de portadores de TGD nas escolas regulares é um fator que contribui para o desenvolvimento de suas subjetividades.

Para poder situar o conceito e o processo de inclusão de crianças e jovens portadores deste transtorno, tal como é colocado atualmente, é importante compreender quais os pressupostos que sustentam tanto as práticas inclusivas, quanto, também, o que justifica esta inclusão. 

Começando pelas práticas inclusivas, estão os espaços e projetos terapêuticos que preparam os jovens e crianças para a inclusão, e os que apoiam a escola regular inclusiva por meio de uma rede intersetorial que envolve profissionais da saúde e da educação. Portanto existem espaços terapêuticos fora da escola, que preparam estas crianças e jovens para serem incluídos no ensino regular e também equipes que apoiam as escolas regulares inclusivas.

Para se ter uma justificativa a a respeito da prática inclusiva e necessário termos uma ideia ad evolução histórica deste novo paradigma por meio do conhecimento das ações que foram tomadas por professores, psicólogos e pesquisadores em geral na direção deste modelo.

Neste sentido, precisamos estar a par dos movimentos históricos, em nível mundial, que deram origem a mudanças da legislação no âmbito escolar.

 Estão inseridos nesta grande mudança de perspectiva educacional: o projeto aprovado pela Organização das Nações Unidas, pela Resolução n. 45/91, definindo que, de 1991 até 2010, o conceito de inclusão seria implementado em toda sociedade, no mundo inteiro; outros exemplos são a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia (1990), que reuniu os países em desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições (físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas, de gêneros, etnias e religião); e a Declaração de Salamanca, na Espanha, em 1994, em que se tratou, especificamente, da educação de alunos portadores de necessidades especiais (GOTTI, 2007 p.1). Esta declaração foi o movimento mais relevante na formação do modelo social que é hoje utilizado nas ações inclusivas, pois se volta para os problemas de como modificar as instituições escolares a fim de criar comunidades de ensino totalmente inclusivas. É importante lembrar aqui que estes movimentos pró-inclusão começaram a surgir na década de oitenta, até esta década a escola era regida pelo modelo médico de integração.

Dois modelos inseridos no discurso escolar

Coexistem hoje, dois modelos escolares relacionados a deficiências físicas, mentais e emocionais – o modelo médico de integração e o modelo social de inclusão. Para termos uma ideia conceitual e histórica destes dois modelos será preciso um rápido olhar para os fatores e saberes que influenciaram a história da educação.

A escola sempre foi uma instituição centralizadora de vários saberes e também foi instrumentalizada por ideologias e poderes dominantes. Para termos uma ideia panorâmica somente do ideário hegemônico que embasou todos os saberes sobre educação, no que se refere a inclusão, será preciso analisar os pressupostos inseridos na pedagogia que pautaram o século XX. No que se refere aos dois modelos indicados acima: inclusão e integração, o século XX até a década de oitenta foi regido pelo modelo de integração ou modelo médico. O discurso educacional deste século é bem complexo, amplo e profundo, pois, a profusão de epistemologias inseridas no viés educativo são seguimentos de várias abordagens científicas. Filosofia, sociologia, psicologia, fisiologia médica, neurologia e muitas outras ciências e conhecimentos estão inseridos no discurso educacional. 

Mas podemos dizer, que a maioria dos conhecimentos atestavam um mesmo viés ideológico, o ideário que diz que o individuo deve se adaptar as normas sociais, e que os problemas que causam exclusões sociais e falta de acesso de algumas pessoas a bens culturais, econômicos e até de saúde, são problemas do individuo ou de sua classe social. Estas ciências comprovaram esta tese durante muito tempo e ainda a sustentam, essas comprovações têm como base, os testes psicométricos, voltados a mensurações de inteligência e personalidade. 

Desta forma, o modelo de integração consiste na intensão de adequar o individuo a sociedade, ou seja, adequar a criança que possui certa diferença, ao funcionamento escolar circunscrito em suas normas. É preciso assim, adaptar, o individuo a um sistema social, sem cobrar deste sistema qualquer modificação, em outras palavras, o sistema sempre está certo, quem está desajustado ou errado, é o individuo. Portanto, todos os problemas de uma sociedade fundamentada nos meios capitalista de produção, que provocam desiquilíbrios sociais, culturais e da ordem do conhecimento, são encobertos ou desconsiderados.

Como poderia se esperar, este modelo não resultou em escolas inclusivas e sim em escolas que provocam uma grande evasão escolar e a total exclusão de crianças e jovens do ensino regular, podemos conhecer esta situação de maneira profunda e completa, no livro “A produção do Fracasso Escolar” de Maria Helena Souza Patto, professora da faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP). Este modelo operou quase sem nenhum discurso contraditório até a década de oitenta, quando surge o modelo social de inclusão.

O modelo social de inclusão surgiu com intuito primeiro de incluir todos os jovens e crianças que não correspondiam a normas de aprendizagem do antigo modelo, pois foram excluídas por serem alunos problemas segundo nomenclatura mais atual, anteriormente, no inicio do século XX, chamadas de anormais

A segunda intensão ou questão que é colocada nesta mudança paradigmática, é que cada vez mais se cobra do ensino regular, público ou particular, uma sala de aula de grande heterogeneidade.

Conclusão

Os dois modelos ainda coexistem na escola, pois ainda se renovam ou se inventam teorias que são excludentes e pregam salas de aula homogêneas e segregativas, neste sentido retorna-se ao modelo de integração.

Mas a visão de escola inclusiva e heterogênea se soma com ideologia de uma sociedade igualitária e flexível. O novo paradigma da inclusão inverte a frase que determinou a escola na maior parte do século XX, “o individuo precisa se adaptar á sociedade” – o paradigma inclusivo conclui: “ A sociedade precisa se adaptar aos indivíduos”.

Neste sentido, precisamos ver a escola como lugar que abraça as diferenças em torno de objetivos comuns e não um lugar que desiste e descarta crianças e jovens por não condizerem com os objetivos da escola.

BIBLIOGRAFIA

AQUINO, J.G. Do Cotidiano Escolar-Ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000.

 BERNARDINO, L. M. F. De Uma Instituição Ideal a Uma Pratica Possível, Efeitos de um encontro. Estilos da Clínica, ano I, n.1, p.80-85, 2ºsem. 1996. 

BRAUER, J. F. Ensaios Sobre a Clínica dos Distúrbios Graves na Infância. São Paulo: Casa dos Psicólogos, 2003.

GUIMARÃES, Pedro da Silva G963t Tecendo sons e palavras: oficina musical dirigida à portadores de distúrbios graves / Pedro da Silva Guimarães. – São Paulo : [s.n.], 2008.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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