A indisciplina em sala de aula: entender e resolver

A indisciplina em sala de aula é um problema que atravessa os tempos da educação. No entanto, se o docente não analisar a fundo as causas desse fato em seu específico cotidiano este problema se torna insolúvel.

Um problema muito comum na temática da indisciplina é atribuir a culpa somente ao aluno se estendendo também para a sua família sem refletir sobre a maneira de ensinar e as estratégias utilizadas.

Sem avaliar se existe uma repetição do ensino tradicional baseada na exposição de conteúdo na lousa em uma avaliação de aptidões, homogeneizada.

A indisciplina em sala de aula nunca é uma fato de simples análise e sim é considerada um fato complexo que tem suas raízes sociais e psicológicas.

Neste texto vamos analisar como a indisciplina ocorre em sala de aula, mas também como ela é estigmatizada pela comunidade escolar.

Entendendo a indisciplina a partir da disciplina

Para entender a indisciplina dos alunos é crucial entender o conceito de disciplina que é colocado muitas vezes como objetivo da escola e das regras em sala de aula.

Historicamente a disciplina recaiu sempre sobre a ordenação dos corpos e da fala, neste sentido, o aluno ideal era aquele que falava só quando solicitado e tinham seus movimentos ordenados segundo regras de conduta.

Podemos entender esta ideia melhor lendo como exemplo um texto do início do século XX intitulado Recomendações Disciplinares citado por Julio Groppa Aquino (AQUINO, 2000, P. 84):

Não há crianças refratárias à disciplina, mas somente alumnos ainda não disciplinados. A disciplina é factor essencial do aproveitamento dos alumnos e indispensavel ao homem civilizado. Mantêm a disciplina , mais do que o rigor, a força moral do mestre e seu cuidado em trazer constantemente as crianças interessadas em algum assunto util.

Os alumnos  devem apresentar na escola minutos antes das 10 horas, conservando-se em ordem no corredor da entrada, para dahi descerem ao pateo onde entoarão cantico.

Formados dois a dois dirigir -se -hão depois ás sua classes acompanhados das respectivas professoras que exigirão delles se conservem em silencio e entrem na sala com calma, sem deslocar as carteiras.

Deverão andar sempre sem arrastar com os pés, convindo que o façam em terça, evitando assim o balançar dos braços e movimentos desordenados do corpo…”

(Braune apud Moraes, 1922, pp. 9-10)

Este trecho escrito com a ortografia da época nos mostra como os alunos eram observados em seus movimentos corporais e em suas atitudes. Não cabendo a eles qualquer autonomia e nenhuma tomada de decisões. Ele se movimentava conforme a regra e as solicitações dos professores.

A intenção de apresentar este trecho é trazer à tona a questão sobre o que os professores esperam dos alunos. Ou seja, qual é a sala ideal dos dias atuais, pois muitos professores de maneira errada expressam ter saudade desse tempo de disciplina corporal e de atitudes.

Revelam muitas vezes que a escola deveria ser como um espaço militar e qualquer indisciplina deveria ser castigada com rigor. Onde também o docente era visto de forma hierarquizada, ou seja, o professor não era só a pessoa que detinha o respeito alheio, mas aquele que podia punir os “desvios” (AQUINO, P.86).

Neste sentido a professor deveria edificar o caráter dos alunos mais do que desenvolver a consciência do discente.

A escola atual e a indisciplina

Quando transportamos o problema da indisciplina para os tempos atuais, precisamos renovar nossos conceitos sobre disciplinas. Atualmente é inconcebível que os professores professam uma disciplina de corpos e condutas morais.

Além disso, é incompatível com a criança e o jovem atual esperar um comportamento que os silenciem e os imobilizem. Portanto não podemos pensar indisciplina como contraste desta disciplina de 1930.

Vimos que a disciplina do início do século XX era baseada na escola tradicional onde o professor era o mestre e o centro da sala de aula, cabendo ao aluno somente obedecer a ele e as regras de conduta impostas pelas normas sociais.

Segundo Aquino (2000), hoje temos um outro aluno configurado em um novo sujeito histórico, mas em alguma medida, guardamos como padrão pedagógico a imagem daquele aluno submisso e temeroso.

Democratização do ensino e indisciplina

Muitos professores de uma maneira equivocada confundem democratização do ensino com a indisciplina. Ou seja, atribuem como causa da indisciplina o ensino para todas as classes.

Na visão desses educadores a culpa da indisciplina estaria recaindo sobre as classes menos abastadas, pois estes alunos não seriam capazes de acompanhar o processo de ensino de maneira adequada. A partir desse discurso a culpa da indisciplina seria familiar e ambiental.

Segundo esta visão, vamos recair em diferenças ambientais, ou seja, existem ambientes saudáveis que seriam as casas e bairros de classes mais abastadas e os ambientes que possuem deficiências culturais que são os dos estratos sociais mais baixos.

Esta ótica infelizmente persistiu até as décadas de 1980 e ainda persiste em alguns meios escolares.

Em relação aos preconceitos sociais que estão imbricados no ideário de disciplina, vale ressaltar que as regras mencionadas acima sobre a escola de 1930, são referidas a escolas que eram destinadas às classes sociais abastadas, pois não havia ainda a democratização do ensino.

Indisciplina e idealização

Nos dias atuais, existe o perigo de incorrer em erros grosseiros em relação a conceitos de disciplina e indisciplina. Quando se fala de indisciplina dos alunos ao mesmo tempo falamos também de uma idealização do passado. Ou seja, até hoje o aluno disciplinado é um aluno idealizado abstrato, e desenraizado dos condicionantes sócio-históricos ( AQUINO, 2000, P.87).

Podemos ver esta idealização até em teorias psicológicas quando elegem uma essência humana pré-social, como se o ser humano tivesse características universais independente da influência do meio social (LIBÂNEO, 1984 P. 158, Apud Aquino).

A partir dessa concepção, todo ser humano que age de maneira diferente desta suposta característica universal é um desajustado. Este fator irá criar a relação da indisciplina com o desajuste mental repassando aos psicólogos e psicopedagogos o problema da disciplina.

Estrutura escolar desgastada e a indisciplina

O problema da indisciplina persiste até os nossos tempos por causa da imaturidade de atacá-lo. Na verdade a indisciplina pode nem existir e sim existir uma norma, uma disposição do espaço escolar, um ordenamento do currículo escolar defasado.

Quando não pensarmos que os indivíduos são determinados historicamente e suas atitudes refletem o tempo histórico do sujeito, nunca resolveremos o problema da indisciplina.

Se o professor idealiza um aluno modelo que corresponde somente a suas expectativas, este nunca será encontrado e os conflitos permanecerão. 

Podemos concluir como Júlio Aquino que a indisciplina é um sintoma de uma escola idealizada que requer um tipo de clientela mas é ocupada por outro.

Muitas vezes a indisciplina é atribuída aos alunos desajustados, neste caso estamos regredindo ao modelo adaptativo do indivíduo chamado de modelo médico no início do século XX, onde todo indivíduo precisa se adaptar a sociedade como se a sociedade fosse algo perfeito, inatingível, imutável com capacidade para moldar todos à sua características e regras.

Conclusão

Vimos nesse texto como o conceito de indisciplina está atrelado ao modelo de disciplina de 1930 ainda. Neste sentido, antes de abordar a indisciplina é preciso fazer uma revisão de nossos conceitos e práticas escolares.

A partir desta revisão precisamos pensar se o nosso modelo atual escolar comporta o aluno atual e não ideal. Vale lembrar que este aluno hoje está também munido de informação que vem dos meios tecnológicos e não resta nele quase nenhuma semelhança com o aluno idealizado do início do século XX.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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