Metodologias ativas e autonomia

O intuito deste artigo é traçar uma trajetória das metodologias ativas junto com a elucidação das principais conceituações existentes nesta proposta. Mostrar as bases filosóficas, psicológicas e pedagógicas que transpassam esta nova perspectiva didática e como o cenário atual cobram do corpo docente e dos pedagogos uma modificação acelerada nos procedimentos educacionais.

Introdução

Este artigo propõe um panorama histórico e conceitual para elucidar os fundamentos das metodologias ativas. A ideia de analisar este panorama traz o objetivo de entender, porque a demanda pela proposta ativa de ensino cresceu nos dias atuais. 

Desta forma, este artigo traz uma analise dos fatores da crise educacional em torno de problemas como: indisciplina dos alunos, inclusão e exclusão, heterogeneidade e utilização das tecnologias da comunicação (mais cobrado ultimamente). Secundando estes fatores, este texto se direciona para as origens histórico/filosóficas das metodologias ativas que integram a escola nova.

Em um terceiro momento a abordagem será centrada na autonomia, um fator fundamental para a  metodologia ativa e também muito presente nas propostas de Paulo Freire. Na quarta e última parte o foco deste texto será centrado nas questões relativas à linguagem e tecnologia em uma tentativa de absorver o contexto atual da educação e ao mesmo tempo trazer a tona conceitos da construção social da linguagem nas abordagens de Bakhtin e Vygotsky.

Métodos ativos e crise educacional – indisciplina

A crise educacional tem muitas faces, vai desde a indisciplina, passando por dificuldades cognitivas, sistema de ensino defasado até a violência concretamente manifestada. Falo de violência manifestada porque a violência sem ser manifesta está nas subjetividades advindas da exclusão social, econômica e cultural.  Para uma análise da crise educacional cada vez mais completa é preciso começar pelo papel funcional da escola, como aponta Júlio Groppa Aquino quando descreve algumas visões sobre a escola, primeiro a escola estaria basicamente a serviço da (re)apropriação, por parte da criança e do adolescente, dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Outros remeteriam-se à dimensão socializante da escola, definindo-a como ensaio, preparação do jovem cidadão para o convívio em grupo e em sociedade. Outros destacariam a dimensão profissionalizante da escolarização. Diante desta tríplice função da escola recai a dificuldade de justificar e refletir sobre a indisciplina escolar.

Inimigo número um do educador, a indisciplina é um fenômeno que ultrapassa o âmbito didático-metodológico (AQUINO p.83). Para nos inteirarmos dos fatores que estão presentes em uma situação de indisciplina será necessário ter uma ideia abrangente do conceito de disciplina e o que o está subjacente. A disciplina escolar está atrelada a um pensamento da escola tradicional e muito relacionada com os controles de corpo e fala, circunscritos nas disposições e estruturações do espaço e do tempo que os alunos podiam  falar. Fora esta ideia e em uma época pos-militarisada, temos os alunos como adolescentes e crianças que se expressam de forma muito mais livre. Aquino aponta que “com a crescente democratização das relações sociais, uma nova geração se criou. Temos diante de nós outro aluno, um novo sujeito histórico, mas, em certa medida, guardamos como padrão pedagógico a imagem daquele aluno, submisso e temeroso” (AQUINOp.86). Portanto a indisciplina vista como um fator que está relacionado com o não cumprimento de normas de controle moral pode não ser um ato de indisciplina e sim um ato criativo do aluno frente a um contexto não democrático e não representativo que algumas escolas ainda oferecem.

No centro das metodologias ativas está o aluno e por causalidade a sua autonomia, portanto em uma escola em que este está submetido a regras rígidas para falar e se expressar de forma natural e livre, é impossível o trabalho com quaisquer procedimentos ativos. Freinet, professor e pesquisador da escola nova, em 1944 indicava “que a escola tradicional era centrada na matéria a ser ensinada a nos programas que definiam essa matéria, precisavam-na e hierarquizavam-na. Cabia à organização escolar, os professores e os alunos , que se submetessem às suas exigências (FREINET,p.9). Em seu livro “Para uma Escola do Povo”, Freinet já fala sobre questões relativas a liberdade e autonomia dos alunos quando afirma que a escola deve ser centrada na criança enquanto membro da comunidade. Este autor coloca como um fator importante para o desenvolvimento dos alunos,  a ênfase nas necessidades essenciais dos alunos em função das necessidades da sociedade a que pertence. Deste olhar para o perfil do aluno, que decorrerão as técnicas – manuais e intelectuais – a dominar.  Desta análise ambiental e subjetiva dos alunos  também decorrerão a organização do conteúdo, o sistema de aquisição e as modalidades da educação.  Podemos ver em Freinet a perspectiva da escola nova fundamentada na subjetividade do aluno e em seu ambiente.

Exclusão e inclusão

Além da indisciplina outro fator que contribui para a crise educacional, é a questão da inclusão que se relaciona com seu oposto, a exclusão. A inclusão de crianças diagnosticada e classificadas como portadoras de distúrbios emocionais e cognitivos em escolas regulares, causadora de outra crise educacional está relacionada intrinsicamente com seu revés, que é a exclusão, em uma dimensão psicológica.

 Um dos pontos frágeis e discutíveis da escola nova que passou por muitas reformulações é a formação de um padrão intelectual homogêneo. Neste sentido, olhando para o desenvolvimento cognitivo autônomo da criança, estabeleceu-se um padrão desse desenvolvimento, provocando inúmeras análises de comportamento e medições de inteligências. Portanto uma das bases da escola nova e da metodologia ativa foi a padronização da inteligência. Como aponta Maria Helena Patto (1999, p. 64), além de Binet, autor da primeira escala métrica da inteligência para crianças, Edouard Claparèd, contemporâneo de Piaget, tornou-se autor obrigatório entre as obras de referencia de psicólogos e pedagogos, voltados para o estudo de mensuração das diferenças individuais de rendimento escolar em todo mundo.

Com isso, mesmo na escola nova com sua metodologia centrada na criança, ficou patente a homogeneidade na sala de aula, fato que consequentemente se traduziu em uma grande exclusão e evasão escolar.

A escola nova e sua proposta de metodologia ativa, que respeitam a autonomia de criança veio se adequar com mais eficácia no cenário educacional brasileiro, quando se somou ao construtivismo baseado na psicologia do desenvolvimento, a perspectiva e concepção da criança como um ser de linguagem e um ser social. Esta nova concepção possibilitou a formação de salas mais heterogêneas e concretizou leis educacionais que possibilitaram a inclusão de jovens e crianças que não se adequavam a padrões eleitos por uma psicologia diferencial. 

A proposta de uma escola inclusiva nos aspectos de comportamento, cognitivos, emocionais e culturais que leve em conta representatividades e identidades têm que estra inserida na metodologia ativa, pois do contrário os problemas de indisciplinas e exclusão voltam para uma sala de aula que conserva padrões morais de cerceamentos e homogeneização.  

Neste sentido, o construtivismo da escola nova fundamentado nas metodologias ativas, só se reformulou  com as concepções de Bakhtin e Vygotsky. Estes dois autores, tirando suas divergências conceituais, centraram suas pesquisas na linguagem, tomando-a como um fator social. O professor precisa levar as subjetividades presentes em uma sala de aula, e não somente adequar uma metodologia que segue padrões universais de desenvolvimento.

 Tanto Bakhtin como Vygotsky elaboraram uma teoria que coloca a linguagem como ponto de partida na investigação das questões humanas e sociais e também como desvio que permite que as ciências humanas transitem para fora dos paradigmas cientificistas, priorizando uma abordagem ético-estética da realidade (SOUZA p.13).

Metodologias ativas e autonomia

As questões de autonomia em sala de aula nos cobra uma análise sobre este conceito, a fim de situar a práxis de sua utilização. No viés da psicologia desenvolvimentista, que sustenta as metodologias ativas, a autonomia está atrelada a um desenvolvimento psicogenético. Este desenvolvimento é suposto aprioristicamente e nele a criança irá evoluir de forma autônoma quase sem a participação do educador. Portanto, a base psicológica do construtivismo e consequentemente da escola nova é um desenvolvimento genético que prevê a evolução da criança, quando esta evolução não ocorre se conclui que a criança não se adequa a um ensino autônomo com perspectiva construtivista. Neste pressuposto se encontra a grande contradição da escola nova, onde a autonomia proposta nesta dimensão psicológica se transforma em um fator de exclusão e segregação. Isto ocorre porque na raiz do construtivismo existe uma proposta uniformizante que preconiza uma sala de aula homogênea sem espaço para diferenças, sejam elas de ordem, cognitivas ou emocionais. Este fato explica a grande crise da educação atual, mesmo com a implantação do construtivismo como metodologia pedagógica hegemônica nos quadros dos programas governamentais de educação.

Diante desta crise em torno do conceito de autonomia é preciso fazer um desvio conceitual para chegarmos a um entendimento de autonomia mais relacionado com as subjetividades presente em uma sala de aula. Desta maneira é preciso entender autonomia como um fator de construção de sujeitos e não considerar os alunos objetos de uma psicologia ou de uma educação tradicional funcional e positivista. Nas palavras de Paulo freire “o homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém” (FREIRE p. 28).

Conclusão   

  Tratando dos métodos ativos, uma das bases do construtivismo, vimos no momento atual, uma educação centrada nos alunos é uma saída para resolver parte da crise educacional eu se instaurou no ambiente escolar. Mas será preciso analisar com cuidado, os aspectos que foram reformulados no construtivismo, principalmente os que tangenciam as formas de controle e uniformização presentes na base da psicologia de desenvolvimento genético. Os problemas que transpassam a educação nos dias de hoje são os que foram provocados por uma visão que uniformiza as subjetividades. Portanto a adoção de metodologias ativas, centradas nos alunos, precisa vir junto com a construção de um olhar que assimile a heterogeneidade de uma sala de aula e trabalhe em função das representatividades.    

 BIBLIOGRAFIA

AQUINO, J. G. Do Cotidiano escolar – Ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000.

FREINET C.  Para uma Escola do Povo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FREIRE P. Educação e Mudança. Rio de janeiro: Paz e terra, 1979.

PATTO M. H. S. A Produção do Fracasso escolar – Histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo. 1999.

SOUZA S. J. In OLIVEIRA Z. M. R. (org.) A criança e seu desenvolvimento – Perspectivas para se discutir a educação infantil. São Paulo: Cortez, 2000.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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