Flexibilização do Currículo no NEM

Este texto tem a intenção de apresentar, delinear e discutir os fatores que envolvem a flexibilização do Currículo no Ensino Médio. 

Esta flexibilização ocorrerá com a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) nas escolas brasileiras públicas e privadas.

O Novo Ensino Médio (NEM) surgiu com 2 mudanças estruturais: 

  • A mudança na carga horária: Aumentando-a para 3.000 horas totais em 3 anos.
  • Proposta de flexibilização curricular: Que inicialmente possibilita uma liberdade de escolha de aprendizado.

Vale lembrar que estas mudanças vieram com a lei 13.415 de 2017 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. No entanto, o prazo dado às escolas para realizar todas essas modificações foi até 2022.

Contudo, ainda existem muitas dúvidas que perpassam toda a comunidade escolar. A princípio a modificação irá começar pelo primeiro ano do ensino médio que terá sua carga horária aumentada para 5 horas diárias.

Para entendermos o aumento de carga horária em um cálculo geral é preciso saber que ao longo de 3 anos a carga horária do ensino médio é de 2.400 horas. Com a modificação essa carga horária dentro do mesmo período de 3 anos passa para 3.000 horas.

Porém, dessas 3.000 horas só 1.800 são destinadas para disciplinas obrigatórias da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as 1.200 horas restantes serão destinadas para os 5 itinerários formativos que veremos a seguir.

Portanto, a partir desta exposição o que vamos delinear é o núcleo central da flexibilização do currículo: Os itinerários formativos e os fatores que são gerados a partir da sua implementação.

Neste sentido, veremos neste texto as vantagens e desvantagens dos itinerários formativos e as consequências da diminuição das disciplinas obrigatórias.

Itinerários formativos e BNCC

No documento da Base Nacional Comum Curricular estão expostos os itinerários formativos  a as competências gerais da educação básica organizada por áreas do conhecimento. Neste texto será delineada como é organizada cada área e como serão oferecidos nas escolas os itinerários formativos.

Primeiramente, para termos uma visão crítica lançada sobre as áreas do conhecimento é preciso atentar para o fato dessas áreas terem substituído as antigas disciplinas. Neste sentido, poderemos ver algumas vantagens como: a inserção da tecnologia em tais áreas; e a ampliação de uma específica disciplina em uma área mais abrangente. 

Contudo, as desvantagens dessa modificação são visíveis, como: 

  • A transformação de uma disciplina em apenas um conteúdo de uma grande área
  • A precariedade do ensino em determinados conhecimentos 
  • A substituição de professores especializados por professores mais generalistas 
  • A relativização da contratação de professores especialistas
  • A transformação de um ensino de formação para um ensino pragmático e profissionalizante acrítico e adaptativo.

Outro problema que encontramos nessa flexibilização do ensino médio é como serão oferecidos os itinerários formativos nas escolas. Ou seja, as escolas poderão ter liberdade em oferecer esses itinerários conforme seus contextos. 

Esta alegação à primeira vista parece vantajosa, no entanto o que pode realmente acontecer é uma diferenciação nociva entre escolas.

Neste sentido, escolas mais periféricas oferecem um ensino com áreas do conhecimento e itinerários formativos mais precários e com menos liberdade de opções por parte dos alunos. 

Por outro lado, escolas localizadas em localidades mais desenvolvidas terão mais opções de formação e terão conteúdos mais completos e isso tudo assegurado pela nova lei. Além disso, a diferença entre o ensino público e o ensino privado será bem maior criando um verdadeiro abismo de oportunidades.

Os 5 itinerários formativos foram classificados somando as grandes áreas do conhecimento mais a formação técnica profissional, São eles:

  • Ciências da Natureza
  • Ciências Humanas  e Sociais Aplicadas
  • Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias
  • Matemáticas e Suas Tecnologias
  • Formação Técnica e Profissional

Discussão

Primeiramente, antes de discorrer sobre cada itinerário formativo, é importante reafirmar que 40% da carga horária oferecida no Novo Ensino Médio será preenchida pelos itinerários formativos. 

Esta grande fatia do ensino destinada ao itinerário formativo abre um precedente para as escolas atuarem de forma livre em disciplinas que anteriormente eram obrigatórias, resultando em propostas escolares diversas. 

Ou seja, no futuro terão escolas que irão ofertar um ensino completo e escolas que darão somente o básico para o estudante trabalhar, criando comunidades de ensino desiguais.

Basicamente, a grande liberdade das escolas de ofertarem o itinerário formativo sem muitas obrigações, faz com que os alunos fiquem a mercê das decisões da escola tendo seu direito à educação diminuído e relativizado.

Dentro deste novo sistema, as únicas disciplinas que estão garantidas como componentes curriculares obrigatórios nos 3 anos do ensino médio são matemática e língua portuguesa.

Podemos concluir este tópico com o seguinte fato: Com a proposta de 3.000 horas de carga horária do ensino médio, as 2400 horas obrigatórias de formação básica foram reduzidas para 1800 horas e as 1200 horas restantes foram destinadas para os itinerários formativos.

Devido a grande liberdade da escola em propor seus itinerários a autonomia e direitos dos alunos foram reduzidos. Portanto, cabe aos professores fornecerem um ensino profundo, problematizador e crítico aos alunos para preencher as discrepâncias da flexibilização do ensino médio.

Categorias dos itinerários formativos

Os 5 itinerários formativos podem ser divididos em 2 categorias: 

  • Itinerários de especialização: São os que abrangem as quatro grande áreas como linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas aplicadas.
  • Itinerário da profissionalização: Abrange somente o quinto itinerário – Formação técnica e profissional.

A partir dessas duas categorias –  especialização e profissionalização –  podemos concluir que  o ensino médio passou de uma pedagogia formadora em seu aspecto crítico e problematizador para uma pedagogia da competência baseada na flexibilização escolar para atender e adaptar o educando às incertezas profissionais. 

Ou seja, passou-se de um ensino crítico e formador para um ensino adaptativo.

È preciso ressaltar que a justificativa da flexibilização do currículo no ensino médio, está embasadas pelos seguinte fatores:

  • Baixo índice dos estudantes em avaliações externas
  • Estrutura curricular muito extensa
  • Necessidade de diversificação e flexibilização do Currículo
  • Baixo percentual dos discentes ao ensino superior

No entanto, diante desses fatores podemos constatar que a reforma foi direcionada às consequências da falta de políticas públicas e sociais, tomando tais fatores como causas das dificuldades do ensino médio.

Portanto, quando se esconde a causa primária do baixo investimento em educação toda reforma que se põe a resolver o problema, na verdade o amplia. Neste caso criou-se um ensino que procura adaptar o indivíduo ao mundo atual e incerto do trabalho, “A Pedagogia da Competência”.

Flexibilização do Currículo e Pedagogia da Competência

O principal ideário que se coloca como ponto de partida para a flexibilização do currículo no ensino médio, é a Pedagogia da Competência. Esta pedagogia lança uma nova ótica sobre o que é a aquisição de conhecimento.

Para ela o conhecimento é experiencial, ou seja, é fruto das concepções subjetivas e particularizadas das experiências individuais e não resultado de um esforço social e historicamente determinado de compreensão da realidade.

Neste sentido, todo conhecimento histórico e coletivo e por sua vez universal é esvaziado e substituído por uma noção de conhecimento limitada aos modelos viáveis de interação com o meio material e social.

Para essa concepção utilitarista do conhecimento, este é destituído de sua representação da realidade objetiva sendo perigosamente relativizado.

Assim, o valor do conhecimento reside somente em sua viabilidade e utilidade que se traduz por uma conotação utilitária e pragmática do conhecimento.

A consequência de tal concepção é que todo conhecimento que é adquirido será condicionado a sua utilidade do momento. 

Ou seja, os alunos estarão sempre adaptados a novas situações profissionais sem nenhuma formação histórica ou crítica. 

Assim, um conhecimento adquirido é logo substituído por outro para sempre atender as exigências do mercado de trabalho, em um ciclo infinito.

Itinerário formativos – Definição e pontos positivos

Os pontos positivos da flexibilização do Novo Ensino Médio e dos itinerários formativos, residem nas aulas que fornecem um desenvolvimento da autonomia dos alunos. 

Portanto, em escolas aparelhadas para receberem essas inovações o professor torna-se o mediador, fazendo com que a aula esteja em formato de investigação de problemas ou de construção de projetos pedagógicos onde os alunos serão os protagonistas.

Porém, se a escola não estiver pronta e aparelhada para o novo formato o efeito pode ser contrário, onde os alunos perderão o direito básico do conhecimento.

1- Ciências da natureza e sua tecnologias

Este itinerário abrange biologia, física e química e as temáticas giram em torno dos seguintes assuntos:

  • Matéria e energia, 
  • Vida e evolução 
  • Terra e universo

O formato das aulas irá propor a investigação, análise e discussão das situações-problemas que surgem em diferentes contextos socioculturais. Ele fornece o desenvolvimento de autonomia para resolução de problemas individuais, sociais e ambientais.

2- Linguagens e suas tecnologias

Esta área aborda um conhecimento bastante amplo que abrange língua portuguesa, arte, educação física e língua inglesa. vale lembrar que grande amplitude na abordagem pode esbarrar em limites no contexto local e nas possibilidades de oferta dos sistemas de ensino.

Para termos ideia da grande amplitude ofertada este itinerário pretende atender de acordo com a região:

  • Línguas vernáculas
  • Língua estrangeira
  • Língua clássica
  • Língua indígena
  • Língua brasileira de sinais (Libra)
  • Linguagens artísticas
  • Design
  • Linguagens digitais
  • Corporeidade
  • e outros

Além disso, este itinerário irá trabalhar com os projetos de vida dos alunos a fim de encaminhá-los a caminhos profissionais dentro do mundo do trabalho.

3 – Ciências humanas e sociais aplicadas

Esta grande área abrange filosofia, Geografia, história e sociologia. A temática é voltada para relações sociais, modelos econômicos, processos políticos, pluralidade cultural, historicidade do universo, do homem e natureza.

Vale lembrar que essa ampla abordagem está relacionada com o contexto local da escola

4- Matemática e suas tecnologias

Oferece aos alunos uma construção integrada da matemática, aplicada à realidade. Esta área é voltada para aplicação dos conceitos matemáticos nos contextos sociais e de trabalho.

os temas abordados são:

  • Resolução de problemas
  • Análises complexas e funcionais
  • Análises de dados estatísticos e probabilidade
  • Geometria
  • Topologia
  • Robótica e automação
  • Inteligência artificial e jogos digitais
  • Sistemas dinâmicos
  • Entre outros

5 – Formação técnica e profissional

A proposta desse itinerário é oferecer uma formação técnica e profissional humana integral sem dicotomia entre princípios manuais e intelectuais.

O objetivo dessa formação é formar trabalhadores que atuem com autonomia em tomadas de decisões.

Outros objetivos que estão acoplados nesta proposta são: Promoção da qualificação e habilitação profissional.

Contudo, é preciso atentar para alguns pontos negativos dessa proposta, que é a falta de uma linha crítica. Isto acontece quando ela propõe uma adaptação do indivíduo às novas condições ocupacionais e às exigências do mundo do trabalho contemporâneo.

Vale lembrar, que é de extrema importância desenvolver capacidades para trabalhar em um mundo tecnológico e informativo. No entanto, é  preciso desenvolver uma consciência histórica e crítica para os alunos terem noção de seus direitos, lugares e oportunidades dentro de uma  sociedade tecnológica.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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