Bases da contrarreforma do ensino médio
A contrarreforma do ensino médio proposta pelo novo governo do Presidente Inácio Lula e pelo atual Ministério da Educação, ainda está em processo de elaboração e tramitação.
Esta contra reforma foi necessária para sanar a vasta quantidade de problemas relacionados com o Novo Ensino Médio proposto em 2017 pela lei nº 13.415 no governo do Presidente Michel Temer.
Para entendermos as discussões geradas em torno do ensino médio é preciso conhecer as perspectivas diferentes que animam o debate sobre este nível de aprendizagem básica.
De um lado existe uma visão pragmatista de educação que possui uma tendência tecnicista voltada para o mundo do trabalho, essa tendência se originou na participação do Banco Mundial na formatação dos objetivos educacionais na década de 1990.
Atualmente, essa tendência se acirrou na proposta do “novo ensino médio” de 2017, que tirou parte do conteúdo básico oferecendo um ensino tecnicista e adestrador.
Em contrapartida, existe também uma visão mais conteudista da educação que vê nela, uma função mais formadora, ou seja, esta visão concebe a educação como um campo social que possibilita os indivíduos se apropriarem do conhecimento e desenvolverem um saber histórico, crítico e social.
Esta tendência mais conteudística está sendo responsável pela contrarreforma do ensino médio. Vale lembrar que esta visão conteudística valoriza um estudo teórico/prático do conhecimento.
Portanto, na contrarreforma do ensino médio que está sendo feita, existem educadores que defendem a educação básica como uma formação que permitirá ao indivíduo compreender os fundamentos da sociedade desde os campos da evolução científica até os campos da evolução histórica e social.
Neste texto, vamos compreender as bases educacionais e filosóficas que sustentam a nova concepção do ensino médio presente nessa contrarreforma que ocorre neste ano de 2023.
Além disso, vamos sublinhar quais são as mudanças que estão sendo realizadas proporcionando um entendimento das diferenças entre uma visão pragmatista da educação e uma visão conteudista.
A visão pragmatista da educação
A forte sequência de crises no capitalismo desde finais de 1970 ocasionando uma forte queda da taxa de lucros desse sistema em 1990, fez com que houvesse a precarização do trabalho para sanar a queda da lucratividade.
Com isso precisou-se de mão de obra especializada, com baixos salários e menos direitos trabalhistas, esta demanda fez com que se olhassem para as escolas como grandes centros preparadores de habilidades.
Na visão de Gaudêncio Frigotto (2010) a escola transformou-se, por meio do enfoque economicista, em produtora de “capital humano”.
É importante salientar, que a visão pragmatista desde 1990 vem se inserindo principalmente pelo conceito de aprender a aprender presentes em inovações tecnológicas demandadas pelo mundo do trabalho.
O educador e pesquisador Gaudêncio Frigotto nos dá as características básicas deste tipo de educação que advém do discurso neoliberal sobre as categorias presentes na educação nessas seguintes titulações: sociedade do conhecimento, educação para a competitividade, formação abstrata e polivalente.
Com estes títulos o discurso atual tenta cooptar intelectuais para a necessidade e urgência de uma educação tecnicista que visa adequar os jovens e crianças ao mundo do trabalho.
Neste sentido, quando o discurso atual da educação elege e centraliza a sociedade no conhecimento, competitividade e formação polivalente, ele está focado na tecnologia.
Em outras palavras, é preciso formar indivíduos para se adequarem às mudanças tecnológicas exigidas no mundo do trabalho.
Portanto, a formação escolar precisou restringir-se a conhecimentos técnicos para adequar os indivíduos às demandas da modernização do trabalho.
O novo ensino médio proposto na gestão governamental de Michel Temer em 2017 se adequou a esta premissa do mundo moderno do trabalho.
Este cenário causou um vazio em conteúdos importantes para o desenvolvimento cognitivo e intelectual dos jovens, impedindo que eles ingressassem em universidade públicas.
Educação e trabalho
Atualmente, a educação está inserida no campo da evolução tecnológica e no campo do trabalho.
Trabalho e tecnologia são dois elementos intrinsecamente conectados e a educação precisa ter o papel de preparar jovens que compreendam as mudanças tecnológicas e as exigências do mundo do trabalho que são mutantes e instáveis.
Este discurso se apresenta para nós com uma máscara de algo necessário e positivo, porém o seu propósito técnico esconde uma intenção de criar indivíduos funcionais, sem uma visão histórico-crítica do campo social do trabalho.
Portanto, existe na educação uma tendência crescente em preparar futuros trabalhadores dentro de uma visão cada vez mais tecnicista, visão que diante dos avanços educacionais se configura como um retrocesso.
A educação puramente tecnicista que prepara os indivíduos para determinadas funções do trabalho sem dar-lhes a chance de compreender o processo de produção em linhas mais abrangentes, é uma educação retrógrada.
Ou seja, é uma educação que ignora as concepções filosóficas e sociológicas que vê na escola, um espaço formador que precisa proporcionar ao aluno uma apropriação crítica e histórica do conhecimento como nos ensinou o educador Paulo Freire.
No entanto, isto não quer dizer que a relação trabalho e educação não deva existir, vivemos em um mundo onde a base social é o trabalho, embora a grande maioria da população não detém o controle dos meios de produção.
Neste cenário a educação precisa se afastar das propostas tecnicistas que preparam indivíduos para funções específicas, sem fornecer um amplo horizonte acadêmico onde este aluno poderá acessar um conhecimento intelectualizado.
Nas palavras de Demerval Saviani (2007), precisamos mais de uma educação politécnica do que técnica, pois a educação politécnica fornece aos alunos o domínio dos fundamentos científicos que baseiam as diferentes técnicas utilizadas na produção moderna.
Neste caso, a contrarreforma do ensino médio, como está sendo proposta hoje, se contrapõe com o “Novo Ensino Médio” lançado em 2017, pois ela possui seus objetivos no conteúdo educacional como bases para os alunos compreenderem os fundamentos do mundo moderno em suas bases científicas, sociais e humanas.
Na proposta do Novo Ensino Médio (2017) com intenções apenas profissionalizantes, residia uma educação voltada ao adestramento de habilidades determinadas, sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade.
Além disso, preparava os alunos para uma habilidade sem dar-lhes o conhecimento necessário da articulação dessa habilidade com o conjunto do processo produtivo.
Ou seja, uma educação adestradora, formadora de indivíduos incapazes de compreender a sua importância em uma sociedade do trabalho e por isso, sem conhecimentos críticos e históricos.
Mudanças propostas na reformulação do ensino médio em 2023
Até aqui, vimos como as crises no campo social afetam a educação, pois as crises econômicas incidem sobre os currículos educacionais com suas demandas profissionalizantes.
Neste sentido, o conteúdo é esvaziado dando lugar a treinamentos com objetivos profissionais, este problema aconteceu com o ensino médio com o desaparecimento de conteúdos como filosofia e sociologia.
Com a intenção de sanar tais vazios conteudísticos, a principal mudança objetivada pela contrarreforma do ensino médio é em relação a carga horária.
Neste sentido a carga horária das disciplinas de base foi aumentada de 1800h para 2400, no ensino médio normal, e 2200h no ensino médio integrado ao técnico.
As mudanças também atingiram os itinerários formativos, no Novo Ensino Médio de 2017 haviam 5 itinerários que eram:
- Ciências da natureza e suas tecnologias
- Linguagens e suas tecnologias
- Ciências humanas e sociais aplicadas
- Matemáticas e suas tecnologias
- Formação técnica e profissional
Nas mudanças atuais a carga horária destinada aos itinerários foi reduzida para 600h e de 5 itinerários passou ser oferecido 2: Matemática e ciências da natureza; matemática filosofia e ciências humanas.
É importante lembrar que o nome itinerário foi substituído por percurso de aprofundamento, a intenção dessa mudança foi aprofundar alguns conteúdos que não foram dados na proposta anterior, prejudicando os alunos diante do ENEM e Vestibular.
Conclusão
Neste texto vimos as diferenças entre o Novo ensino médio e a contrarreforma do ensino médio que está sendo realizada neste ano de 2023.
Além disso, vimos que existem tendências na educação que são mais pragmaticistas e outras mais conteudísticas.
Na realização do novo ensino médio em 2017, prevaleceu uma visão bastante pragmatista da educação com o esvaziamento de muitos conteúdos que estavam na base do conhecimento.
Em contrapartida, no governo atual existe uma tendência mais conteudística da educação e as ações que estão sendo feitas apontam para uma reposição de conteúdos que foram quase extintos do ensino médio como sociologia e filosofia.
No entanto, é importante salientar que ainda vivemos em constantes crises econômicas que transformam a educação em alvo de esvaziamentos de conteúdos e também de desvalorização dos professores.
Portanto, o pragmatismo na educação ainda está bastante forte, transformando muitas estratégias educacionais em treinamentos, principalmente no ensino médio da escola pública.
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