A Música na Inclusão de Crianças Portadoras de Transtorno do Espectro Autista

Este artigo traz alguns caminhos para o professor que tem a intensão de trabalhar com atividades musicais dentro de uma sala de aula inclusiva. Aqui se sublinha a inclusão escolar de crianças portadoras de Transtorno do Espectro Autista que cobra o educador soluções didáticas diante da diversidade trazida pelo paradigma inclusivo. Nesta perspectiva escolar, a música oferece muitas possibilidades de ação e reflexão. 

Introdução

A inclusão de crianças portadoras de transtorno global do desenvolvimento (TGD) que hoje está abarcada no CID 11 com a nomenclatura de Transtorno do Espectro Autista (TEA), está hoje sustentada por leis educacionais que atingem a escola no âmbito pedagógico e modificação de seu espaço físico. São leis que abarcam vários casos relacionados a crianças e jovens que possuem diferenças motoras, psíquicas, emocionais e neurológicas. Este fato abre uma demanda para a realização de projetos, separados da escola regular e que colaboram no processo de inclusão dessas crianças. A criança portadora de Transtorno do Espectro Autista, possui sintomas relacionados à sua subjetividade principalmente na construção de uma estrutura subjetiva que a possibilite sua convivência social, e as mais variadas formas de vínculos afetivos.

A música como linguagem artística e área do conhecimento, contribui neste processo de inclusão porque no seu campo de linguagem e expressividade atinge o ser humano na sua subjetividade.  Neste sentido, ela desperta a afetividade, proporciona processos comunicativos sem a utilização de palavras. Também traz a tona lembranças familiares; e provoca reações relacionadas com as dimensões simbólicas e imaginárias dos participantes, quando com música é possível a construção de um espaço lúdico de faz-de-conta.

  1. Música como Proposta Simbólica

A criança portadora de Transtorno do Espectro Autista possui dificuldades com as regras sociais que tangenciam nossa convivência, estas regras são construídas internamente nos indivíduos de uma sociedade ao longo de suas vidas, primeiro na convivência familiar e posteriormente na escola. Na criança que possui um déficit afetivo ou emocional gerados por problemas de ordem orgânica ou psicogenética, o que está em jogo para proporcionar a ela um convívio positivo em qualquer meio social, é a construção de sua subjetividade.

 Esta construção ocorre, quando lhe é oferecido um ambiente educacional rico em atividades com amplo simbolismo. A proposta simbólica como facilitadora de inclusão, se justifica pelo fato que as relações humanas são sustentadas por regras simbólicas que são apreendidas pelo indivíduo por suas variadas formas de vínculo. 

 Algumas correntes terapêuticas que atuam junto ao processo de inclusão e são ligadas a psicanálise, principalmente as correntes freudianas e lacanianas, representadas por autores como Maud Manoni e Leandro de Lajonquiére, a educação ocorre quando o adulto oferta um fragmento cultural, abrindo a possibilidade de uma filiação simbólica para criança, ou seja, favorecendo a criança a fazer como os outros na vida, à medida que aprende.

A música traz em seu processo educacional e de linguagem um amplo simbolismo, pois ela nos proporciona o trabalho comunicativo não somente por meio da palavra, mas por gestos, sons, melodias, ritmos, marcações gráficas e outros códigos. Neste caso, a música, como contributiva no processo de inclusão, trabalha com duas dimensões do psiquismo humano, o imaginário e o simbólico.

Quando se atribui um lugar social para o aluno dentro de um fazer musical, e aposta-se na sua capacidade, investindo em seu potencial, mesmo que ainda não exista uma resposta satisfatória deste aluno, trabalha-se na dimensão imaginária. Quando se tem como meta a produção musical e a socialização, institui-se regras de convivência e outras que partem do entendimento musical e sonoro de sua produção. Neste caso, pode-se dizer que se está operando na esfera do simbólico, pois essas são regras culturais e pertencem ao código social. 

  1. Função Integradora da Música

A proposta de uma atividade musical em uma sala de aula, que traz crianças em processo de inclusão faz o ato educativo ser cultural e integrador. A música é vista para profissionais que trabalham na psicologia e psicanálise, como atividade organizadora e integradora principalmente porque é trabalhada como linguagem, que é o principal atributo integrador de nossa sociedade. O conteúdo musical é um conhecimento vivencial que passa pelo corpo e pela sensibilidade. Agindo e interagindo com o outro e com o meio, a criança estabelecerá conceitos, utilizando a música em seu aspecto simbólico. A atividade de musicalização proporciona à criança, a oportunidade de se relacionar e se integrar com o mundo pela escuta, pelo movimento corporal e pela voz. O que permite o uso intenso do corpo, coordenação de movimentos e a escuta do outro.

Neste sentido a integração facilitada pela música, ocorre com a percepção do mundo e do outro. A música também integra identidades e singularidades quando se trabalha para atingir um objetivo comum. As atividades musicais dentro de uma sala de educação regular que tem um objetivo inclusivo oferece um lugar de sujeito à criança portadora de Transtorno do Espectro Autista, com a plenitude de sua particularidade.

 Esta linguagem artística, quando integrada a uma ação inclusiva, amplia as possibilidades dos resultados positivos desta ação, em qualquer proposta educativa. A música só não entra em consonância com uma educação tradicional e retrógada que tem dentro de seus principais objetivos, a adaptação da criança a um meio social, como se fosse um processo de adestramento desta a uma norma. 

Seguindo uma ótica aberta e libertadora de educação, uma oficina de música direcionada a uma sala inclusiva, e que possui alunos portadores de distúrbios graves, pode ser um meio de formação sociocultural. No sentido que, quando em atividades que envolvem sons e música, subsiste a intenção de formar um grupo que integre a pesquisa e a invenção sonoro-musical.

  1. Projetos Didáticos

O projeto didático valoriza a forma de trabalho educacional sobre um determinado tema e a sua conexão com várias áreas do conhecimento. A música como linguagem artística e do conhecimento traz uma flexibilidade de articulação, que proporciona ao educador formalizar um projeto didático com sua turma, que dialoga com várias disciplinas e responde a várias demandas. Em uma sala de aula que possui crianças, que diante de uma proposta educativa, reagem cognitivamente e emocionalmente de forma diferenciada, o professor precisa propor uma atividade que compense as diferenças de apreensão do conteúdo. Isto porque, em uma sala inclusiva, pode haver crianças com singularidades, particularidades e com identificações variadas. 

 O trabalho em torno de um tema abre perspectivas para uma construção de uma rede de vários saberes onde um tema pode transpassar várias disciplinas. Nesta proposta, a música possui uma flexibilidade ampla e permite ao educador, dentro de uma sala inclusiva, possibilitar a participação de todos. A formalização de um projeto didático é rica em diversidade de conhecimento e atende a heterogeneidade do grupo discente.  

Quando se trabalha com uma temática em que todas as atividades convergem para um tema comum, possibilita-se um sentido de continuidade, tempo e finalização para as crianças participantes. Neste sentido, o desenvolvimento de um projeto didático e interdisciplinar, utilizando linguagens artísticas e culturais, possibilita aos alunos deixarem suas marcas de singularidades e identidades. Este fato contribui para o reconhecimento subjetivo de cada um dentro do âmbito de uma sala inclusiva.

  1. Heterogeneidade na sala de aula

Toda proposta que se faz com objetivo de construir conhecimentos e despertar curiosidades conjuntamente com os alunos, precisa ser sustentada por uma disposição de trabalhar com a Heterogeneidade. 

As atividades ligadas às linguagens expressivas como teatro, artes visuais e músicas, trabalhadas na escola, mesmo se em âmbito extracurricular, podem trazer grandes benefícios ao portador de Transtorno do Espectro Autista. Dentro da escola podem ser desenvolvidos, projetos extracurriculares e coletivos abrangendo várias linguagens artísticas, isto fará com que os alunos que tenham dificuldades físicas e cognitivas mais acentuadas, possam se incluir com suas singularidades. As propostas que enfatizam a invenção e a expressão são mais inclusivas por não exigir um desenvolvimento linear do aprendizado.

A falta de capacidade para adequar-se à sociedade e encontrar meios individuais de auto expressão é um dos sintomas principais das perturbações mentais.

O valor da música neste caso é prover uma válvula emocional dentro do grupo. Segundo Juliet Alvin, musicista e pioneira em musicoterapia, a música é mais social de todas as artes; ela sempre foi uma experiência compartilhada, em todos os tempos, lugares e grupos sociais. No novo modelo de inclusão, as propostas de oficinas musicais são adequadas por possibilitarem o desenvolvimento social em grupos cada vez mais heterogêneos. Na inclusão de crianças portadoras de Transtornos do Espectro autista, tanto para o discurso psicanalítico como para o os educadores que defendem o modelo inclusivo, o dispositivo que contribui para a inclusão, é a criação de espaços de troca intersubjetiva. A música tem grande potencial de propiciar o diálogo intersubjetivo, pois se abre á uma larga gama de comunicação que vai além da palavra falada, Utilizando-se dos gestos, movimentos corporais, sons instrumentais e vocais.

Para propiciar o desenvolvimento social, como também valorizar os traços individuais no contexto inclusivo, o educador precisa trabalhar com procedimentos não generalistas, ou seja, que considerem que as crianças terão respostas e desenvolvimentos diferenciados diante de uma proposta educativa, mesmo que tenham a mesma faixa etária. O contexto inclusivo pede uma educação aberta à diversidade na sala de aula. No caso de crianças portadoras de Transtorno do Espectro Autista, este modelo de escola, que privilegia a heterogeneidade do grupo, pode apresentar ótimos resultados.

Conclusão

Para o processo de inclusão das crianças portadoras de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o recurso de uma atividade musical pode ser muito produtivo em vários aspectos. O professor pode prescindir da música para solucionar os múltiplos problemas que atravessam o cotidiano escolar, utilizando esta linguagem em sua forma perceptiva e expressiva. A música oferece um caminho de ideias e expressividades que atuarão na concretização dos objetivos didáticos, equalizando as diferentes demandas, que estão presentes no novo paradigma inclusivo de educação.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

1 Comment

  1. A consolidação das estruturas cumpre um papel essencial na formulação das condições financeiras e administrativas exigidas. Por outro lado, o aumento do diálogo entre os diferentes setores produtivos faz parte de um processo de gerenciamento das diversas correntes de pensamento.

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