Produção de texto na educação – narrativa/ imaginação/fantasia
Para abordar a produção de texto como proposta didática é preciso uma análise de alguns fundamentos da criatividade literária como: a função da narrativa oral; a imaginação e a fantasia.
A criança já possui naturalmente uma afinidade com estes fundamentos, quando conta uma história de seu cotidiano, pois nessa contação ela ilustra sua história com alusões imaginárias e até fantásticas, principalmente quando os fatos narrados, fogem um pouco de seu campo de noção lógica, por apresentarem conteúdos abstratos como emoções sentimentos.
Na sociedade, a função narrativa da linguagem foi, de certo modo, decentralizada da comunicação pelo modo de produção industrial e capitalista. Esta função se diluiu no cotidiano das pessoas, de forma fragmentada, pois a narração oral é ao mesmo tempo um relato do cotidiano como também uma apropriação ativa da história do sujeito
O narrador, somente se efetiva quando se apropria de sua história, tornando-se um sujeito consciente e crítico de todo fenômeno social que lhe afeta. Nos dia de hoje a comunicação é utilitária e informativa seu conteúdo é superficial, trazendo apenas o necessário para qualquer ação humana dentro de um mundo que valoriza somente o utilitarismo e a produção material.
Introdução
O escritor e filósofo, Walter Benjamin, vislumbrou a dificuldade e o empobrecimento da narrativa revelando que a modernidade reduz as chances de cada indivíduo integrar a sua experiência, pois a narração do que vivenciou tornam-se fragmentos. Para Adorno (1978), neste mesmo raciocínio, o campo imaginário que proporciona narrativas pessoais, é preenchido com fatos externos à suas vidas, como, imprensa, fotografia e imprensa.
“Os fatos exteriores, englobados que estão nos produtos da chamada cultura de massa e, mais propriamente, da indústria cultural, são eles produtos “adaptados ao consumo de massas”, e por elas determinados, passando a constituir um sistema que produz bens a serem consumidos por um determinado público” (ADORNO, 1978).
Portanto, segundo Walter Benjamin e Adorno, as características básicas da cultura de massa são a persuasão e o conformismo substituindo a autonomia e a consciência do sujeito. A partir destas premissas, tentarei traçar uma trajetória que possibilite para os professores, trabalharem, produção de texto com seus alunos, partindo de algumas funções e fundamentos da atividade criativa e literária como: a narrativa, a imaginação e a fantasia, todas estas funções e fundamentos, obviamente, orbitam em torno da palavra.
A função Narrativa
Para abordar a narrativa, primeiro trago as questões colocadas pela professora e psicóloga Sandra Maria Sawaya sobre historicidade.
– Será possível reencontrar o sujeito na sua historicidade?
– Seria possível reconstituir, também a escola como espaço de redescoberta desse sujeito em suas experiências em sua historicidade?
Podemos responder a estas perguntas com a prática pedagógica de centralizar a criança em um ensino/aprendizagem que valorize sua autonomia e sua subjetividade. No sentido de trabalhar construções textuais, a partir das narrativas que estas crianças trazem sobre uma variedade de assuntos. As crianças vivem em grupos brincam, conversam, perguntam contam histórias e intercambiam suas experiências (SAWAYA). As narrativas infantis são carregadas de memórias do cotidiano e dos espações de convivências. A forma narrativa da linguagem é característica do discurso infantil, quando descrevem situações cotidianas, revestem ordenações temporais e espaciais, com mistérios e fantasias.
Na pesquisa de Sandra Maria Sawaya feita sobre um grupo de crianças de zero a nove anos e suas famílias em um bairro da periferia de São Paulo (SAWYA, 1992) ela descreve como as crianças categorizam os eventos:
– Lugares de circulação de carros, bicicletas.
– Lugares onde não se pode ir, perigosos, revestidos de mistérios, alvo de fantasias (onde desce o lobisomem, na visão destas crianças pesquisadas).
– lugares Proibidos, onde se deu o assassinato de alguém.
Nestas categorias de lugares feitas por estas crianças podemos ver como elas organizam suas narrativas em dimensões espaciais e temporais e como poderíamos trabalhar em produções textuais que proporcionariam a elas uma construção subjetiva, histórica e de apropriação de saber linguístico.
Imaginação/fantasia e criatividade
A imaginação e fantasia integram junto com a narrativa as funções da escrita criativa. Existe uma diferenciação um pouco arbitrária entre imaginação e fantasia em que coloca a imaginação como uma ação reprodutora da realidade e a fantasia como uma ação criativa em relação à realidade. Para o escritor Gianni Rodari, imaginação e fantasia pertenceram por muito tempo, exclusivamente à história da filosofia e posterirormente bem mais recente ao campo da psicologia.
Os antigos, de Aristóteles a Santo Agostinho, não dispunham em suas línguas de dus palavras para distinguir entre imaginação e fantasia. Enem assinalar a suas diferentes funções. Foi com Wolff no século XVII que se iniciou uma primeira distinção entre a faculdade de produzir percepções das coisas sensíveis e a facultas fingendei, que consiste em produzir mediante a divisão e a composição das imagens, a imagem de uma coisa nunca perceptível ao sentido (RODARI, p. 161, 1982).
Hegel em uma concepção um tanto classista e segregativa definiu a imaginação como reprodutiva e a fantasia como criativa, no sentido que os poetas podem fantasiar e o homem comum só pode imaginar com objetivos práticos.
Portanto, na filosofia, a diferença colocada entre imaginação e fantasia ia de encontro a um sistema funcional de classes, uns pode fantasiar e outros somente imaginar, neste sentido era atribuído um juízo de valor sobre tais funções, como, se imaginar fosse atribuído a setores práticos da sociedade como os trabalhadores e fantasiar, aos setores criativos da sociedade. Neste movimento complexo de discussões e conceitos concluiu-se que tanto a imaginação como a fantasia está no campo da criatividade.
Quando setores da psicologia tomaram parte nesta discussão estes conceitos tornaram-se mais compreendidos para aproxima-los do homem comum e da educação, principalmente nas acepções de Vygotsky. Para Vygotsky a imaginação é descrita como modo de operar da mente humana, este autor reconhece a todos os homens, e não poucos privilegiados, uma comum atitude criativa.
A diferença destas criatividades sã produtos de fatores sociais e culturais. Na criança, a brincadeira e o jogo não são simples recordação de impressões vividas, mas uma reelaboração criativa delas.
Para o trabalho com criação textual o professor precisa desenvolver em si mesmo os hábitos da criação de imaginação do empenho construtivo em uma série de atividades que são enfim consideradas semelhantes a produção pictórica, plástica, dramática, musical, afetiva, moral (valores, normas de convivência) cognoscitiva ( científica, linguística e sociológica) e lúdica (RODARI,p.127 1982)
A Palavra na criatividade
O centro de toda criação literária é a palavra, colocada na narrativa, na imaginação e na fantasia é veículo de sentidos e sons. Uma palavra pode se desdobrar em muitos significantes e significações que são transmitidos na oralidade de uma narrativa como em uma construção especificamente escrita. A palavra pode ser analisada em duas articulações da língua, a primeira articulação, que compreende a palavra em si como unidade de sentido dentro de um texto, e a segunda articulação, onde a palavra é analisável em uma sucessão de unidades em que cada uma contribui para distingui-la das outras. Quando analisamos palavras próximas em seus sons, podemos entender melhor esta teoria linguística.
Por exemplo: casa e caso – são diferentes porque uma unidade de segunda articulação foi trocada, o “A” foi trocado pelo “O”.
Neste exemplo podemos ver que o som, ou a dimensão fonética da linguagem foi responsável pela mudança de sentido da palavra. Portanto sentido e fonética fazem parte das palavras.
Para Rodari, “uma palavra escolhida ao acaso e lançada à mente, produz ondas de superfície e de profundidade, provoca uma série infinita de reações em cadeia, agitando em sua queda sons e imagens, analogias e recordações, significados e sonhos, em um movimento que toca a experiência e a memória, a fantasia e o inconsciente” (RODARI, 1982 P.12).
Para finalizar, podemos dizer, que quando trabalhamos a escrita criativa com as crianças, onde elas podem descrever seu cotidiano desde uma forma oral, a princípio, até chegar a um trabalho textual, estamos trabalhando dentro da complexidade das relações sociais, culturais e ambientais, pois a palavra tem o poder de recordar, imaginar, fantasiar e a nossa mente, diante do estímulo da palavra interage, aceita, rejeita, relaciona, censura, destrói e constrói.
Conclusão
Este artigo teve o intuito de contribuir um pouco com as propostas didáticas que se direcionam para a produção de texto dos alunos. A abordagem histórica, social e filosófica colabora para termos uma ideia mais clara de alguns pressupostos da linguagem, mesmo que seja ainda em uma forma panorâmica e introdutória.
Outra colaboração que traz uma abordagem deste tipo é o conhecimento histórico das dificuldades e problemas que ocorrem no âmbito da linguagem, como os que são revelados nas produções e interpretações de texto, tanto de crianças como de adolescentes. Podemos concluir, junto a história dos fatos sociais, que as dificuldades tanto produtivas quanto interpretativas nascem de uma cultura alienante, que aparta o sujeito de sua própria história, substituindo-a por um imaginário ideal criado pelas grandes indústrias de informação e entretenimento.
BIBLIOGRAFIA
SAWAYA S. M. Narrativas orais e experiência: as crianças de Jardim Piratininga. In OLIVEIRA, Z M R A criança e se desenvolvimento – Perspectiva para de discutir a educação infantil. São Paulo: Cortez 2000.
RODARI G. Gramática da Fantasia. São Paulo. Summus, 1982.

Pedro Guimarães – Mestre em música na área de Etnomusicologia pela UNESP. Professor de Música e Arte Educador nas seguintes Instituições: Serviço Social da Indústria (SESI); Centro de Educação Unificada da prefeitura (CEU); Faculdade Anhembi Morumbi; e Instituto Paulo Vanzolini (Formação de Professores). Músico multi-instrumentista e compositor de trilha sonora.

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